Resenha: Elena sabe, de Claudia Piñero

Acho que já posso considerar esta uma das leituras mais tristes do ano. Cheguei ao final dilacerada por tanta dor, tanto física quanto emocional, que a protagonista, Elena, carrega dentro de si. Foi uma leitura rápida pelo livro ser curto e ser possível ler em um dia, mas seu conteúdo é denso e ficou comigo por dias.

Parceria Momentum Saga e Editora Morro Branco

O livro
Elena é uma senhora argentina acometida pela Doença de Parkinson. Seus dias são pautados em comprimidos e não em horas. Sua rotina é marcada pela dor e pela rigidez causadas pela doença, não pela rotina do cotidiano. Ela agora vive sozinha. Desde que sua filha, Rita, apareceu pendurada na igreja do bairro, qualquer investigação feita pela polícia foi encerrada. Mas Elena está determinada a não deixar a morte de sua filha cair no esquecimento. Mesmo não sendo policial, mesmo não tendo a saúde que a tarefa requer, Elena vai investigar a morte da filha e por isso precisa de ajuda.

Resenha: Elena sabe, de Clauda Piñero

Seu tempo é contado em comprimidos. Aqueles comprimidos de diversas cores que carrega na bolsa, num porta-comprimidos de bronze com vários compartimentos que Rita lhe deu em seu último aniversário.

Todo mundo diz a Elena que Rita se matou. O padre, os vizinhos e conhecidos a quem Elena evita a qualquer custo, mas uma mãe conhece sua filha, certo? Elena sabe que não é verdade e assim precisa achar um jeito de investigar. Mas como essa senhora, com problemas de mobilidade, sem dinheiro, vai conseguir completar tal tarefa? Esse era o pensamento que me atravessava a todo momento durante a leitura. Nas palavras da própria Elena, ela precisa de um corpo “alheio que trabalhe por ela. Que investigue, que pergunte, que ande, que olhe de frente, direto nos olhos sem passar pelas próprias sobrancelhas. Um corpo que ela, Elena, possa governar e que a obedeça” (pág. 60).

Em um misto de romance policial e um íntimo relato sobre o relacionamento de mãe e filha, o livro nos pega desprevenidas ao debater temas como religião, afeto, hipocrisia, maternidade, autoritarismo. Simpatizei muito com Elena em vários momentos, em outros me irritei muito com ela, mas foi difícil gostar de Rita. O relacionamento das duas está bem distante de ser harmonioso; na verdade ele é pautado por micro agressões diárias, comentários ácidos e ríspidos, distanciamento e ressentimentos. Rita é uma pessoa de firmes convicções, que lhe foram passadas pela criação e pela necessidade. Trabalhando no colégio católico local, ela precisa seguir os preceitos da religião, mas até que ponto? Até empurrá-los goela abaixo dos outros?

A narrativa de Claudia não nos deixa respirar enquanto prosseguimos a leitura. Não há travessões indicando os diálogos, então pensamentos e falas, tanto atuais quanto do passado estão todos entrelaçados na mente de Elena, a personagem que seguimos desde o momento. O Parkinson a acomete de muitas maneiras debilitantes e é preciso esperar os remédios fazerem efeito para começar as rotinas do dia agora que está sem Rita. Como sua cabeça está permanentemente tombada para o lado, Elena tem dificuldades para encarar as pessoas. Enquanto os remédios não fazem efeito, seu pé não responde, então ela não pode se levantar. E cada momento é minimamente descrito por Elena, enquanto luta contra a doença. Cenas íntimas de uma filha com uma mãe doente que nem sempre são vistas com carinho são bem difíceis de ler.

Maternidade é um ponto nevrálgico da leitura. Tanto para Rita, quanto para Elena, que apenas teve uma filha, enquanto Rita nunca se casou ou engravidou. Houve momentos tensos quando Elena suspeitava que Rita fosse estéril e ela precisou passar por um humilhante exame médico para comprovar, feito por homens. De quantas maneiras diferentes uma mulher pode ser humilhada pela sociedade por não ter filhos ou por apenas viver sua vida? Rita leva essas convicções com tanta força que acaba tomando decisões pelos outros de maneiras imprevisíveis. Uma dessas decisões é o que move Elena para conseguir a ajuda que precisa para desvendar a morte da filha.

A memória dos detalhes, Elena sabe, é só para os valentes, e não se escolhe ser covarde ou valente.

A escrita da autora é envolvente e não consegui parar de ler até virar a última página. Gostaria de ter mais contexto para a história pregressa de Elena, mas também entendo que o interesse de Claudia aqui era outro. Não era uma história sobre o passado de Elena ou sobre sua vida anterior ao Parkinson e sim sobre o seu presente, sobre suas limitações, sobre seu desejo de desvendar a morte da filha. Quando chegamos ao final, para a derradeira revelação de tudo, o livro ganha contornos ainda mais tristes e melancólicos, porque Elena sabe e você também, que a resposta não é a que queríamos.

O livro está muito bem diagramado e revisado, com uma ótima tradução de Elisa Menezes.

Obra e realidade
Como alguém que sofre de dor crônica e muitas vezes se sente debilitada para começar o dia até os remédios fazerem efeito, me compadeci e me identifiquei com Elena em vários momentos. É aterrorizante sentir seu corpo te trair nos momentos em que mais precisa, depender de remédios e marcar horários, sentir o alívio das drogas correndo pelas veias apenas para poder fazer o básico. Sei que não era a intenção original de Claudia, mas esses detalhes da rotina de Elena me atingiram em cheio e me senti em sua pele nesses momentos.

No Brasil, atualmente, a expectativa de vida é 75,5 anos segundo dados do IBGE. A estimativa é de que 200 mil pessoas vivam com a Doença de Parkinson. É a segunda patologia degenerativa, crônica e progressiva do sistema nervoso central mais frequente no mundo, atrás apenas da Doença de Alzheimer. Existem aproximadamente 4 milhões de pessoas no mundo com a Doença de Parkinson, o que representa 1% da população mundial a partir dos 65 anos.

Clauda Piñero

Claudia Piñero é uma escritora, roteirista de televisão, dramaturga e contadora argentina.

PONTOS POSITIVOS
Elena
Discussões atuais
Personagens femininas
PONTOS NEGATIVOS
Acaba logo
Triste pra caramba


Título: Elena sabe
Título original em espanhol: Elena sabe
Autora: Claudia Piñero
Tradutora: Elisa Menezes
Editora: Morro Branco
Ano: 2024
Páginas: 160
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Uma obra muito sensível essa de Claudia Piñero. Sensível ao ponto de ser desconfortável. Ainda me pego pensando no final, nas descrições feitas pela autora sobre as limitações da protagonista e seu relacionamento com a filha e em como doeu ler algumas dessas passagens. Difícil indicar um livro que machucou tanto, mas que também foi impossível de parar de ler. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!


Até mais! 💊

Já que você chegou aqui...

Comentários

Form for Contact Page (Do not remove)