Resenha: Habibi, de Craig Thompson

Este foi um presente de um amigo querido que acabou ficando na minha prateleira nem sei bem porquê. Mentira, sei sim. Uma determinada cena me incomodou e fechei o quadrinho. Decidi enfim terminar uma leitura parada há tanto tempo e encontrei um grande universo, uma história que vale à pena ser lida e uma arte incrível.


O livro
Habibi fala da jornada de dois escravos fugitivos. Dodola é uma garota perspicaz e independente que foge de seus captores levando um bebê, chamado Zam. Os dois crescem juntos no deserto, sozinhos em um navio naufragado nas areias escaldantes. Uma forma de passar o tempo é contado histórias conforme o bebê cresce. É através daqueles contos, das fábulas e ficções contadas vemos o nascimento do Islã e de suas tradições, em um misto de romance, tragédia, filosofia e aventura. Utilizando-se do Corão e das Mil e Uma Noites, o autor criou um cenário de fantasia que recria mitologicamente o Oriente na mente dos leitores ocidentais.

Resenha: Habibi, de Craig Thompson

Algumas críticas ao autor se devem justamente a isso. Ele é um homem ocidental, utilizando-se das histórias e estética de uma cultura que não é a sua para contar uma história. Mas segundo o próprio Thompson o enredo é uma fábula. Acredito que um autor tenha o direito de fazer fábulas e contar suas histórias, mas a maneira de fazer isso pode soar de maneira negativa ou positiva. Há algumas críticas a respeito de leitores e críticos, sobre como ele retratou uma outra cultura. Acho que são válidas e há cenas que me incomodaram, mas acredito que elas estejam num contexto mitológico. E sabemos que na mitologia mundial existem todo tipo de histórias.

Foram sete anos de trabalho intenso e isso salta à vista com uma arte que é absolutamente fabulosa. O nível de detalhe dos quadros e das cenas é de fato impressionante. Habibi não se passa em nenhum país conhecido e achei isso um ponto positivo, para elevar o nível do fantástico e para não caracterizar nenhuma cultura específica, mas apontando situações específicas que não são assim tão distantes da nossa realidade.

Por exemplo, Dodola era uma criança quando foi dada como o pagamento de uma dívida e obrigada, aos 9 anos, a se casar. O marido a ensina a ler, fato que será vital para Dodola ao longo da leitura e um ponto interessante por mostrar o valor da erudição e do saber. Dodola e Zam terão encontros e reencontros ao longo do tempo, passando pela infância, a confusão da adolescência e as indecisões da vida adulta.

Habibi


Esta é basicamente uma história de amor, mas não só um tipo de amor, de todos os tipos. Entre duas pessoas, entre homem e mulher, entre irmãos, entre escravos, entre pessoas sozinhas e que precisam contar com os outros. Dodola precisa se vender para conseguir alimentar a criança que levou consigo e admito que essas cenas me incomodaram bastante e me questiono se elas deveriam estar no livro. Entendo o ponto tratado pelo autor, mas a cena incomoda, a mim pareceu muito gratuita e não acho que a protagonista precisava da cena.

A arte é admirável e é preciso parar a leitura de vez em quando apenas para apreender a grandiosidade do cenário, repleto de detalhes. Adorei a forma como ele misturou a caligrafia árabe com a ocidental, as críticas ao conservadorismo, o enredo que mistura realidade e mitologia, a atenção aos detalhes e o capricho na arte e na composição dos quadros. Temos quadros mais tradicionais intercalados com grandes cenários de duas páginas que demandam uma olhada mais demorada para enxergar toda a composição.E fica um aviso sobre a não linearidade da obra, ela vai e volta no tempo em vários momentos. Uma obra de arte, de fato.

Habibi


A edição da Companhia das Letras é um calhamaço que chega a ser desconfortável de ler, mas a arte e o capricho das ilustrações merece a leitura. Não encontrei problemas de diagramação ou de tradução, que foi de Érico Assis.


Obra e realidade
Admito que ter um autor ocidental escrevendo sobre uma cultura que não é a sua me incomoda um pouco. Tudo vai depender de sua sensibilidade e de sua pesquisa. Por mais que tenham cenas que incomodam, admiro a forma como o autor discutiu estereótipos construídos no Ocidente a respeito do Islã e da cultura árabe. Muçulmanos ainda são vistos como terroristas, como desequilibrados, e não herdeiras de uma cultura rica e complicada como a nossa. E que os atos de alguns não podem condenar todo um povo e uma religião.

Craig Thompson


Craig Thompson é um quadrinista norte-americano. Autor da premiada Retalhos, ganhou dois Prêmios Eisner, o Oscar dos quadrinhos.


Pontos positivos
Arte e diagramação
Bem escrito
Discussão sobre religião e mitologia
Pontos negativos

Gatilho para estupro e violência
Pode ser devagar


Título: Habibi
Título original: Habibi
Autor: Craig Thompson
Tradutor: Érico Assis
Editora: Companhia das Letras (selo Quadrinhos na Cia)
Páginas: 672
Ano de lançamento: 2012
Onde comprar: na Amazon!


Avaliação do MS?
Admito que o começo não foi fácil. Existem cenas que incomodam e acho que a ideia era essa, mas deixo um alerta de gatilho pela forma como Dodola é tratada na narrativa e que pode incomodar. Claro, isso está dentro de um contexto e deve mesmo incomodar, mas pode ser chato para pessoas mais sensíveis. A arte é genial e o quadrinho merece os elogios e os prêmios. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!




Até mais! 🌙


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