Eu não sei de quantas maneiras diferentes que já falei de arte, cultura e política nesse blog ao longo de quase 9 anos de existência. São livros, são séries de TV, quadrinhos, filmes, jogos, todos eles lidando com temas espinhosos, ou simplesmente normalizando a sociedade. São músicas falando de períodos conturbados da história, são músicos militando uma vida inteira. E aí qual não é a surpresa quando as pessoas percebem que Ó, MELDELS, havia conteúdo político em seu entretenimento o tempo todo. Elas é que nunca perceberam.
Um certo político, de um certo ministério, de um certo governo, fez uma declaração que é ao mesmo tempo ignorante e ingênua:
Confesso que, pensando como público, como fã, eu estou de saco cheio. A gente não consegue mais ir a um show ou ver um filme sem que haja algum tipo de manifestação política.
Quando Roger Waters se manifestou politicamente em seus shows no Brasil a respeito do perigo do crescimento do fascismo no mundo e, claro, no Brasil, teve gente surpresa de ver um músico desse gabarito fazendo a respeito. E claro, a alucinação coletiva começou a acusá-lo de receber propina, de receber da Lei Rouanet, de espalhar fake news. Teve gente explicando ao próprio Roger Waters o conteúdo de sua própria música, Another Brick in the Wall, que creio muitos pensavam ser uma música sobre a construção civil.
A Madonna é conhecida por seus shows e espetáculos grandiosos e também por seu posicionamento político. Seu videoclip American Life foi censurado quando ela, explicitamente, ligou a figura de George W. Bush à guerra. Seus shows sempre têm um interlúdio com forte conteúdo político. Eis então que muita gente se espantou ao vê-la protestar com a tag #EleNão em seu Instagram. E claro, chamaram a Madonna de tudo quanto é nome pouco lisonjeiro e de comunista, como os robôzinhos adestrados que são.
Existe uma longa história entre a arte e a política. Todos os tipos de arte, todos os tipos de manifestação, em cada momento histórico, esteve envolvido em política, mesmo aquelas obras de arte em que você nunca percebeu que havia um conteúdo político. A arte sempre foi uma maneira de responder aos tempos em que os artistas viveram, às dimensões sociais em que estavam, sendo fonte de controvérsia, de mudança e de força social.
O que acontece é que muitas pessoas sentem que nada diz respeito a elas, ainda mais se elas estão do lado da elite e do status quo de uma sociedade. Se Roger Waters fez uma carreira baseada na luta contra o fascismo e o autoritarismo, essas pessoas vão dizer "Não tenho nada com isso, eu nunca vivi nesses momentos históricos, eu só quero ouvir música."
Pessoas torturadas em ditaduras? Estupros coletivos e tráfico de mulheres? Torturadores homenageados por políticos? Elas dizem: isso não me atinge, portanto não me interessa. Não querendo ser estraga prazeres, mas afeta sim. Afeta primeiro aqueles que estão nas franjas da sociedade, negros, mulheres, população LGBT+, pessoas com deficiência, indígenas. Mas não se engane, você não está protegido da truculência do sistema, ninguém está. E ficar em cima do muro é corroborar com o opressor. A postura do "não tenho nada com isso" está MATANDO PESSOAS.
Em entrevista para o Programa do Bial, o professor Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional, falou assim:
Está na hora das pessoas de bem tomarem a responsabilidade para si.
E por que isso? Veja o que aconteceu quando não levamos à sério as patifarias do Bolsonaro e de seus asseclas. Veja o que aconteceu quando nos ausentamos na política por tanto tempo, deixando a casta política se perpetuar no Congresso, no Senado, das Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais. Veja quem está no poder e as coisas que estão fazendo contra nós, beneficiando empresários e bancadas às custas do suor do trabalhador. Não é hora de estar em cima do muro ou de se ausentar. É hora de se posicionar a favor da democracia e de todos os que vivem nela, inclusive você.
A arte que você sempre consumiu estava lá te mandando mensagens sobre os problemas sociais, o racismo, a misoginia, a truculência policial, as guerras e o autoritarismo e como uma pedra, você não consumiu de maneira crítica, apenas cantou os refrães sem refletir o que diziam. O rap, o rock, a música pop, filmes e livros, jogando mensagens políticas e você se ausentou. Não é hora de se ausentar. Não é hora de escolher a decisão mais fácil porque você se sente seguro. Ninguém está seguro.
Quando os nazistas se voltaram contra os comunistas, eu fiquei quieto; eu não era comunista.
Quando eles se voltaram contra os sociais-democratas, eu fiquei quieto, eu não era um social-democrata.
Quando se voltaram contra os sindicalistas, eu fiquei quieto, eu não era um sindicalista.
Quando se voltaram contra os judeus, eu fiquei quieto, eu não era judeu.
Quando se voltaram contra mim, eu eu estava sozinho.
Martin Niemöller - pastor luterano alemão
Se amanhã a sociedade truculenta resolver criminalizar sua existência, não importa se você votou a favor da barbárie, ela vai se voltar contra você. Ninguém está a salvo em uma sociedade que escolhe a barbárie, a violência e a ignorância.
Até mais.
Maravilhoso texto, parabéns.
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