Jessica Valenti é uma das feministas que a mais tempo escreve na internet, quando criou o Feministing, em 2004. E assim como muitas de nós, recebeu ameaças e todo tipo de ódio gratuito apenas por este fato. Nesta autobiografia, Jessica traça suas origens, sua vida e a forma como a objetificação a atingiu ainda muito cedo, e nos traz uma pergunta extremamente pertinente: Quem eu seria se não vivesse em um mundo que odeia as mulheres?
O livro
De família italiana e hoje colunista do The Guardian, Jessica é Mestra em Estudos de Mulheres e Gênero pela Universidade Rutgers. Autora de vários livros sobre feminismo, ela começou a falar sobre o assunto quando a palavra "feminismo" ainda era vista como um palavrão. Obviamente ainda existem pessoas que acham que o objetivo de vida das feministas é extinguir o gênero masculino, mas o que vemos hoje são feministas e discussões feministas aparecendo com mais frequência na mídia, nas livrarias, tanto com relançamentos de obras de referência quanto em novos livros, revistas, blogs.
Este livro se chama Objeto Sexual por um motivo bem simples, perturbador, mas que as mulheres já conhecem: o fato de sermos desumanizadas desde muito cedo. Logo no começo, Jessica já chama a atenção para o fato de que chamar uma mulher de coisa e não de pessoa não é um elogio. Mulheres querem ser pessoas, não objetos. Premissa básica, mas há muito tempo incompreendida, ignorada e subestimada por aqueles que acham que as mulheres já têm tudo.
Desde muito cedo, aprendemos a andar por este mundo de maneira diferente por conta do medo. Medo do assédio, do abuso, do estupro, da violência específica que nos atinge apenas por sermos mulheres. Esse medo também é o medo de não se encaixar num padrão, na solidão imposta por ser uma mulher que foge de tal padrão, o medo de nunca ser boa o bastante e ainda assim ter que trabalhar dobrado para provar que é capaz de fazer algo. Existem muitas semelhanças entre as experiências de Jessica com qualquer mulher hoje em dia. Como quando o professor disse que daria toda a matéria para Jessica se ela lhe desse um abraço.
(...) há muito tempo venho guardando luto por essa versão de mim mesma que nunca existiu.
Página 12
Com uma narrativa não linear, ou seja, ela vai e volta em fatos e memórias, Jessica narra sobre suas experiências sexuais, episódios de violência, abusos e assédios (muitas vezes disfarçados de elogios), como foi passar por dois abortos, a trajetória profissional, o ódio da mídia e da audiência masculina por conta do blog e maternidade. Sempre relacionando com questões feministas, o livro é mais que uma biografia, mas um compêndio de vivências marcadas pela misoginia institucionalizada que temos na sociedade.
Dividido em três partes, a parte um Jessica conta sobre diversas violências praticamente diárias que vivenciou em espaços públicos e escolares ainda criança e adolescente. Pensar que uma criança foi obrigada a ver um pênis no transporte público é assustador e o mais pavoroso ainda é saber que isso não é tão incomum quanto parece. Há também uma naturalização de tais atos. Todas as violências cotidianas e revoltantes são esperadas, são tidas como inevitáveis. E serão enquanto os homens não forem educados de maneira não-tóxica, enquanto não compreenderem que o corpo das mulheres não lhes pertence, nem mesmo de esposas ou namoradas.
Na parte dois, ela resgata alguns relacionamentos com ex-namorados ou ficantes, fazendo assim uma análise sobre a construção dos relacionamentos em si. Aqui entra uma parte crucial na vivência de qualquer mulher: o quanto a maioria dos homens não consegue compreender o que é consentimento e estupro. E de como eles acreditam que o corpo de uma mulher lhes pertence, como se o consentimento dela sempre estivesse disponível.
Na parte três, Jessica traz questões sobre maternidade, as vivências de sua mãe e avó, as lutas diárias de mulheres que precisavam fazer o que fosse necessário para sustentarem suas famílias, correndo o risco de terem suas vidas expostas pela vizinhança. Sem romantizar a maternidade e seu relacionamento com o marido, Jessica expõe a verdade muitas vezes dolorosa e que a sociedade gosta de esquecer: de que mães são mulheres e que precisam ser tratadas como tais.
A edição da Cultrix está bem diagrama e bem acabada, não encontrei grandes problemas de revisão ou de digitação. No final do livro há uma parte com notas; são comentários tirados do Facebook. Leia se tiver estômago.
Obra e realidade
No começo dos anos 2000, eu voltava de uma entrevista de emprego. Estava parada no ponto de ônibus, tentando ver se o meu estava chegando, quando notei que eu estava sozinha na calçada. As pessoas em volta tinham se afastado, todas tinham dado vários passos para trás. Quando olhei à minha esquerda, um homem estava com o pênis para fora, se masturbando, me chamando de gostosa. Meu pânico foi tanto, que eu entrei no primeiro ônibus que parou no ponto, olhando por cima do ombro para ver se ele me seguia.![]() |
Jessica Valenti |
Cheguei em casa aos prantos, tremendo, querendo cavar um buraco bem grande, me enfiar nele e desaparecer. O que eu fiz para ele fazer isso? Nada. Eu apenas estava parada num ponto de ônibus, tentando voltar para casa, torcendo para que a entrevista desse certo. Foi tudo isso o que eu fiz naquele dia, mas que instaurou um pânico tão grande em mim que falar sobre o assunto ainda hoje me faz chorar.
PONTOS POSITIVOS
Autora feminista
Biografia
Bem escrito
PONTOS NEGATIVOS
Estupro
Assédio
Violência
Autora feminista
Biografia
Bem escrito
PONTOS NEGATIVOS
Estupro
Assédio
Violência
Avaliação do MS?

Até mais!

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