Resenha: Sempre Vivemos no Castelo, de Shirley Jackson

Shirley Jackson foi uma das mais populares romancistas de seu tempo. Assolada por problemas de ansiedade, lutando contra o peso e fumante inveterada, Shirley nos deixou muito cedo, mas seus livros serviram de inspiração para muitos escritores renomados de hoje, como Neil Gaiman e Stephen King.



Este livro foi uma cortesia da Suma de Letras



O livro
Meu nome é Mary Katerine Blackwood. Tenho dezoito anos e moro com a minha irmã Constance. Volta e meia penso que se tivesse sorte teria nascido lobisomem, porque os dois dedos médios das minhas mãos são do mesmo tamanho, mas tenho de me contentar com o que tenho. Não gosto de tomar banho, nem de cachorros nem de barulho. Gosto de minha irmã Constance, e de Richard Plantagenet, e de Amanita phalloides, o cogumelo chapéu-da-morte. Todo o resto da minha família morreu.

Página 7

Mary Katerine, ou Merricat, na verdade mora com sua irmã Connie, seu gato e seu velho tio Julian, acamado e doente, obcecado por sua papelada para um livro que nunca é escrito. Apesar de afirmar ter 18, ela parece ter dez anos a menos por todas as pirraças e infantilidades em seu comportamento, apresentado ao longo das páginas. Os três vivem praticamente ilhados na mansão Blackwood depois que um assassinato brutal de quase toda a família Blackwood, anos atrás, as deixou órfãs.



Connie foi a julgamento e foi absolvida do crime terrível. Ela preparou o jantar naquela noite então foi logo considerada suspeita. Merricat ficou de castigo naquela noite, portanto não participou. Esses três personagens vivem na mansão, isolados do restante da vila. A única que tem algum contato com o exterior é Merricat, que vai até o mercado comprar comida, sabendo dos olhares acusatórios de todos ao redor.

Esse equilíbrio bizarro, entremeado pelas criancices de Merricat, que adora enterrar coisas no quintal, que conversa com o gato (nunca critiquei) é abalada pela chegada de um primo, que logo se mostra o personagem mais fraco de todos e não é um traço de personalidade e sim de construção mesmo. Enquanto as irmãs e tio Julian são bem construídos, até de maneira irritante, o que te faz querer odiar um por um, o primo é só um ponto de perturbação na narrativa, um borrão que mal se vê. É ele que causará o grande problema na casa, despertando a ira de Merricat que, obviamente, o vê como um intruso. Do ponto de vista dela, sua vida está perfeita e ela tem toda a atenção de Connie para si.

Merricat certamente é o ponto alto do livro. Você consegue odiá-la com bastante facilidade, sem conseguir entender muito bem a dinâmica da família marcada pela tragédia. Merricat é obcecada pela irmã, quer sua atenção o tempo todo, é cheia de manias, é chata. Se ela não avisasse que tinha 18 anos no começo do livro, seria possível jurar que era uma criança pirracenta com uns 11 anos de idade aprontando pela casa.

Quanto a Connie, que nem de longe tem os traços da irmã, a vontade é de sacudir pelos ombros para fazê-la acordar da rotina, pois a vergonha, o medo do escárnio, o trauma ou tudo isso junto e misturado a impedem de sair de casa. Ela foi inocentada, mas não aguenta o julgo dos vizinhos, que ainda a veem como culpada de algo. A mansão é basicamente um castelo onde elas vivem enclausuradas, com medo do mundo exterior, reinando soberanas sobre uma pilha de escombros.

A leitura flui muito bem por quase todo o livro, digamos que por uns 90%. Mas se você espera uma resolução para a vida das duas, um fim que dê um jeito em tudo, meio que se decepciona. Então, enquanto eu amei boa parte da leitura, que de fato te prende firme a cada virada de página, quando virei a última fiquei procurado pelo resto do livro. Fiquei com a impressão que essas duas irmãs nunca darão um ponto final em sua tragédia. E também achei a revelação sobre o assassinato fácil demais. É uma dedução bem fácil de se fazer.

O livro é bem bonito, capa dura com uma capa que mostra as duas irmãs. Foi bem diagramado e encontrei poucos erros de revisão ou tradução que foi de Débora Landsberg.


Obra e realidade
Se olharmos para a própria vida de Shirley Jackson, dá para enxergar no livro um pouco da luta da autora. Lutando contra o peso, contra o vício em anfetaminas, contra a ansiedade, muito dos comportamentos bizarros de Merricat sugerem uma certa "loucura" ou uma certa dose de insanidade que a autora talvez entendesse bem demais pela forma como lidava com seus próprios problemas.


Shirley morreu muito jovem, apenas 46 anos, devido a um infarto. Sua saúde declinou muito rápido com tanto uso de anfetaminas para tentar manter o peso, com sua severa ansiedade e espero ler mais de seus livros. É uma autora que sabe prender um leitor, que sabe inclusive torturá-lo e ainda te faz virar uma página atrás da outra. Acho que por isso eu esperava mais do livro, querendo mais dessa narrativa tão densa.


Pontos positivos
Connie e Merricat
Bem escrito
Mistério
Pontos negativos

Final decepcionante

Título: Sempre Vivemos no Castelo
Título original em inglês: We Have Always Lived in the Castle
Autora: Shirley Jackson
Tradutora: Débora Landsberg
Editora: Suma de Letras
Páginas: 190
Ano de lançamento: 2017
Onde comprar: na Amazon!


Avaliação do MS?
Se você tiver preparo para todas as maquinações de Merricat, certamente precisa ler esse livro. O final me decepcionou, no entanto a escrita de Shirley é tão cativante, tão tensa, que você vai ler tão rápido quanto eu li. Três estrelas para Sempre Vivemos no Castelo.




Até mais!


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Comentários

  1. Parabéns pela Suma por trazer a obra dessa importantíssima autora.

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