Missão Alien e xenofobia

Muito antes de Distrito 9, um filme e uma série de TV de 22 episódios tratou de todos os assuntos do filme de Bloomkamp. Missão Alien (Alien Nation), fala de uma nave alienígena que encalhou na Terra e, na impossibilidade de voltar para casa, os sobreviventes foram incorporados à sociedade humana. E sabemos bem como a raça humana lida com tudo o que é diferente.

Missão Alien e xenofobia

Em 1988, um filme de ficção científica mostrava para as pessoas como lidar com a queda de uma nave alienígena e como incorporar os sobreviventes na sociedade. E claro, nada nesse procedimento foi tranquilo, a incorporação e a convivência são difíceis, uma forma de nos mostrar como minorias são tratadas diariamente, mas na pele de seres vindos de outro planeta. Inimigo Meu é outro filme que lida com a complexidade dos relacionamentos humanos e a série mais recente, Defiance, também lidava com refugiados ilhados na Terra.

A nave em forma de disco, chamada Gruza, trazia 250 mil refugiados, escravos rebelados que não tinham mais como voltar para casa. Todos eles foram geneticamente adaptados para o trabalho escravo e viviam dopados para serem obedientes. Não vemos a queda da nave em si, apenas temos relatos das testemunhas e algumas filmagens caseiras, mas depois da quarentena e da comunicação com os alienígenas, ficava a questão: o que fazer? Esta é uma alegoria perfeita para a Diáspora Negra, que acabou levando milhões de negros africanos para o Novo Mundo. Os navios negreiros seriam a nave, e eles os alienígenas chegando em um mundo novo e hostil. Não dá para ignorar uma referência tão explícita assim.

Incorporados à sociedade, os recém-chegados - que se autodenominam Tenctonese - adotam nomes humanos, CPFs e são alocados em trabalhos humanos. Mas eles sofrem com a velha chaga humana já bem conhecida, o preconceito. São um povo espiritual, com antigas e profundas religiões, filosofia e liberais quanto a sexo, mas encaram a pornografia como algo infantil e desnecessário. Possuem dois corações e uma alta expectativa de vida, em torno dos 140 anos.

Os protagonistas da série, detetives Sykes e Francisco, onde Francisco é um dos recém-chegados, precisam superar a desconfiança mútua, mas também a desconfiança e o racismo dos outros. O antigo parceiro de Sykes foi morto por uma gangue de tenctonese e, apesar de defender a convivência pacífica entre as duas espécies, ele reluta em confiar em um parceiro recém-chegado.

Em um dos episódios da série, a esposa do detetive Francisco tenta levar a filha mais nova para a escola em seu primeiro dia de aula, porém um comitê de recepção as aguarda na entrada, onde algumas mães e pais discursam que não querem seus filhos tendo que conviver com uma recém-chegada, uma cena exatamente igual à que Ruby Bridges tinha que enfrentar todas as manhãs quando ia para a escola. Ruby foi a primeira criança negra a estudar em uma escola de crianças brancas e precisou ser escoltada pela polícia. Todos os professores se recusaram a dar aula para ela, com exceção de um e muitos pais tiraram seus filhos da escola.

Os recém-chegados são humanoides, mas não têm cabelos. Possuem manchas pela cabeça e pelo corpo, que são únicas, como as nossas impressões digitais. São muito mais fortes que os seres humanos e consomem leite azedo, que para sua fisiologia tem o mesmo efeito do álcool. Um dos aspectos mais interessantes é que os machos carregam os fetos em conjunto com a fêmea, ou seja, a gestação é compartilhada, o que causa um grande estranhamento da parte dos colegas do detetive Francisco, quando ele passa a usar roupas de grávido e também expõe o preconceito e desconhecimento de muitos homens com todo o processo de gestação.

Muitos dos Tenctonese sentem falta de um planeta só deles. O filho do detetive Francisco, Buck, por exemplo, se recusa a falar inglês com os humanos, não concorda com o relacionamento inter-espécie do detetive Sykes e chegou a fazer parte de gangues de Tenctonese e de protestos em frente às clínicas que oferecem aconselhamento matrimonial para casais inter-espécie. Para ele, a cultura humana é simplória, pouco evoluída, quando comparada com a sua e por isso ele os despreza. Buck precisa ser lembrado constantemente de que não há maneiras de voltar para Tencton, o planeta natal que ele mesmo nunca conheceu, pois nasceu como um escravo na nave.

Missão Alien lidou de forma brilhante com questões como sexualidade, racismo, misoginia, resistência, religião, gravidez e escravidão. A série de TV foi prematuramente cancelada, porém expandiu os assuntos tratados no filme (e nos filmes para TV) e nos mostrou de forma brutal a maneira como minorias são massacradas por forças dominantes. Em filmes para a TV, derivados da série, vemos como a classe dominante na nave massacrava a população e como a controlava com experimentos e gases alucinógenos, lembrando as experiências feitas na Segunda Guerra Mundial com prisioneiros em campos de concentração.

Quando vemos discursos como os de Donald Trump, falando de um muro para separar Estados Unidos e México, ou dizendo que o país não deve dar asilo para muçulmanos, voltamos aos discursos inflamados contra os alienígenas em Missão Alien. Alien, por exemplo, é um termo que, em inglês, também designa imigrantes, especialmente os ilegais. Comparar imigrantes ilegais com seres inteligentes vindos de outro planeta é uma forma perfeita de tratar dos temas que muita gente acha que não passa de mimimi. E ainda assim, tem gente que não consegue fazer o paralelo com a realidade ao consumir enredos como o de Missão Alien, Defiance ou Distrito 9. Provavelmente porque nunca foi atingido pelo tema.

Cena do filme para a TV Alien Nation: Body and Soul

Ano passado anunciaram que fariam um reboot do filme, mas um reboot da série tinha sido cancelado em 2009. Gostaria muito que Missão Alien voltasse para a televisão, nem que fosse na forma de reprise. A série aborda temas fantásticos e que estão cada vez mais em evidência e sendo debatidos nos dias de hoje. Antes de muitas produções atuais, ela levou ao público vários questionamentos e a luta contra o preconceito na forma dos Tectonese, preconceito esse enfrentado pelas minorias todos os dias.

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Comentários

  1. Assisti e só me lembrava do filme! Não precisariam fazer reboot, só continuar a série já seria legal.

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  2. Noss! Meu nariz sangrou um pouco agora. Nem sabia que tinha essas memórias. Essa é daquelas que entrega a idade kk. Não sabia que eram apenas 22 episódios me lembro que meu pai gostava muito, assistiu tudo. Mas não teve uma outra temporada com um nome diferente ou outros longas? Me lembro de alguns subtitulos. Enfim, agora que sei que é curtinha vou garimpar e assistir novamente.

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    1. Não, foram só esses 22 episódios e alguns filmes para a TV, como citados no texto.

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  3. ótimo texto. eu curti muito o filme é a série.

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  4. Um texto bem legal, através dele eu lembrei de muitas coisas da serie.. Ela foi muito marcante para mim, na época mesmo eu fazia uns paralelos com td ao redor, logico q nada muito profundo pq eu meio pequeno, mas dava para entender muito ali. Talvez ela tenha me feito diferente, lembro de gostar bastante.. Eu tenho q rever nos dias de hoje..
    Engraçado e' q eu nao lembrava o nome, por muito tempo tentava encontrar. Quando assisti defiance eu meio q me sentia nostalgico, sem saber pq.. rsrs

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  5. Eu assisti alguns episódios da série. Adorava, mas era dificil de acompanhar na época da TV aberta. Não sabia que tinha filme.

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