Uma nova Terra?

Concepção artística do Kepler 186f. 

A descoberta de um planeta que, ao que tudo indica, é extremamente semelhante à Terra alvoroçou a internet e a mídia na semana passada. Kepler-186f, como foi chamado, está a "apenas" 490 anos-luz de distância de nós, mas já suscita uma série de indagações por parte de cientistas, entusiastas, criaciochatos e malas de plantão. Tem água líquida mesmo? Como será a vida neste lugar? Tem wifi grátis? O que essa descoberta muda de fato para todos nós?



O sistema onde este planeta se encontra é governado pela estrela Kepler-186, que está a 490 anos-luz da Terra, uma anã-vermelha. O planeta tem 1,1 vez o tamanho do nosso planeta e se encontra numa faixa habitável da estrela que é mais fria que o nosso Sol. As estimativas é que ele seja o quinto corpo planetário a partir de sua estrela e que leve 129,9 dias para completar uma órbita (nós levamos 365 dias e 1/4 para isso).

O fato de estar em uma faixa habitável implica em água líquida na superfície devido às temperaturas amenas. E sabemos que a presença de água em estado líquido é um grande indicador de condições de sustentar vida. E vida pode ser desde uma bactéria até vida inteligente. Se olharmos para a diversidade de vida em nosso planeta, podemos ter uma noção de como o universo inteiro deve pulsar de vida por aí. Só a Terra tem entre 5 a 10 milhões de espécies de insetos, a maior e mais bem-sucedida classe (Insecta) do reino animal.

Giordano Bruno (1548-1600) foi acusado de heresia por defender a tese do universo infinito, em que haveria inúmeras estrelas como o nosso Sol, rodeada por planetas como a Terra e que haveria vida neles, inclusive inteligente. Enquanto a ficção científica mostrava uma infinitude de mundos diferentes em seus enredos já há um bom tempo, não foi antes de 1989 que os primeiros exoplanetas foram anunciados. A descoberta gerou controvérsia quando os dados foram revisados em 1992 alegando que não se tratavam de planetas, porém dois anos depois a descoberta foi confirmada. Nosso sistema solar não era mais o único.

Desde então, o número não para de crescer. Em março de 2014 já contávamos com 1779 exoplanetas descobertos, mas a maioria são do tipo Júpiter, inclusive maiores do que o nosso gigante. Outros aparentam ser rochosos, no entanto sendo hostis demais para sustentar vida. Ou muito frios ou muito quentes. Kepler 186f está no lugar ideal para que a vida possa surgir apesar de sua estrela ser mais fria que nosso Sol. Ele pode não ser um irmão gêmeo, mas pode ser um primo. Ele está a 52.4 milhões de quilômetros de Kepler 186, enquanto nós estamos a 150 milhões do nosso Sol.

Nosso sistema solar e o de Kepler 186, com suas respectivas zonas habitáveis. Arte da NASA/JPL-Caltech/SETI Institute. 

Mesmo sendo ligeiramente maior, as implicações sobre a descoberta são imensas. De acordo com modelos teóricos, planetas com um raio 1,5 vez inferior ao da Terra não conseguem formar atmosfera. Mas quando o raio é entre 1,5 e 2 vezes o do raio da Terra, os planetas são grandes o suficiente para acumular uma atmosfera espessa de hidrogênio e hélio. E tudo indica que ele seja rochoso devido ao seu tamanho. Ou seja, faz som de pato, tem pegada de pato, tem pena de pato, só pode ser um pato.

Aí você pode pensar "mas 490 anos-luz é longe demais!". Sem dúvida que é. E não temos tecnologia nem dinheiro para mandar uma missão permanente para Marte, o que dirá para outro sistema estelar. Apenas não podemos descartar a importância da descoberta só porque ele está distante. Planetas capazes de sustentar vida são um indício claro que planetas semelhantes à Terra estão por aí e com a tecnologia se tornando cada vez mais precisa é mera questão de tempo até encontrarmos vida nestes lugares. Já vimos aqui mesmo que em locais extremos e hostis da Terra temos vida por lá. O que impede que Kepler 186f também não tenha? Em que pé estaria a evolução da vida nele?

Temos que parar com esse reducionismo. Nossa geração, e muitas gerações futuras nascerão e morrerão neste planeta. Só porque um planeta possivelmente habitável foi descoberto não quer dizer que vamos mudar para ele amanhã nem que devemos descartar o nosso. Se bem que a raça humana vive e consome a Terra como se tivesse outra nova em folha nos esperando. Saber que podem existir bilhões de planetas semelhantes ao nosso pode abrir as portas para a colonização no futuro, quem sabe até contato com outras formas de vida, expandir nosso conhecimento e reduzir nosso egocentrismo, mas descartar uma descoberta tão importante é burrice.

Que venham mais planetas, é pouco ainda se compararmos com o tamanho de todo o universo.


Leia também:
Found! First Earth-Size Planet That Could Support Life
Momento histórico: encontramos outra Terra no Universo
Kepler-186f: Close to Earth Size, in the HZ
Kepler da NASA descobre primeiro planeta com tamanho semelhante da Terra na “zona habitável” de outra estrela


Já que você chegou aqui...

Comentários

Form for Contact Page (Do not remove)