Século XXI


Lembro de estar na escola e ouvir muito a expressão "século XXI". Ele não é apenas o período que compreende o 1º de janeiro de 2001 a 31 de dezembro de 2100. Não é apenas o século antes do XXII e depois do XX. Não é apenas o primeiro século do terceiro milênio. Este século tem um significado diferente. Na escola era dito quase que com uma reverência, como se os problemas da humanidade fossem logo solucionados com o badalar do último dia do século XX. Mas a realidade foi bem menos doce.



Toda virada de ano é carregada de expectativas. São feitas promessas (que acabam não se cumprindo), juras de amor (que também não se cumprem), dietas que começam (e acabam no almoço de ano novo) e desejos de que este ano que se inicia seja melhor que os anteriores (no fim ele passa tão rápido que quando a gente menos espera já tem decoração de Natal no shopping). Mas ao falar século, a coisa muda de figura. Existe uma reverência nesta expressão, existe algo mais sólido do que simplesmente mudar a folhinha do calendário.

Quem lembra da polêmica sobre a virada do século XX para o XXI sabe que a chegada deste século foi recheada de esperanças e ansiedade. Nosso sistema bancário e financeiro sofreria um bug por causa do relógio? Teríamos pânico pelas ruas, com dinheiro voando dos caixas-eletrônicos? No fim, o pânico veio mesmo em 2001, mas em setembro, dia 11, quando o mundo assistiu na televisão aos atentados contra o World Trade Center. Muita gente colocou este dia como o início definitivo do século XXI e o fim do século XX no dia 9 de novembro de 1989, quando o Muro de Berlim caiu. Tudo o que o mundo viveu nestes 12 anos seria um período intermediário.

Mas por que o século XXI gerava tanta expectativa? Será que seria pelo avanço da ciência e da tecnologia? Teria a ficção científica nutrido a mente coletiva ao anunciar que assim que o século virasse - uma expressão cheia de significado, porém vazia de determinação - muita coisa nova e excitante aconteceria, como contatos alienígenas, colonização de novos mundos, robôs andando calmamente pelas ruas, ajudando os seres humanos. Este era o século da paz mundial, onde já teríamos resolvido nossos problemas com a tecnologia avançada e teríamos o fim das diferenças que tanto matavam pessoas.

O século XXI trouxe sim inovações. Tivemos a consolidação da internet, o surgimento do smartphone e do tablet. Tivemos o primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos, uma presidente no Brasil, uma presidente na Índia, uma presidente na Coreia do Sul e uma primeira-ministra na Austrália. O Nepal deixou de ser uma monarquia e se tornou uma república. Mas tivemos uma intensificação das diferenças. Genocídios, fome, miséria, guerras retomadas, tivemos a Primavera Árabe, os ataques na Noruega, a morte de Osama Bin Laden. Foi no século XXI que os brasileiros indignados saíram às ruas do país todo, de saco cheio de ver a mesma merda de sempre.

Podemos dizer então que, além de inovações tecnológicas (e o enterro de outras, como o ônibus espacial), tivemos a melhor e a pior face do ser humano transmitido ao vivo para todo o mundo. A internet intensificou as diferenças, os debates, os trolls e às posições radicais. O século XXI estreou de um jeito que nenhum autor de ficção científica poderia colocar em palavras. O século XXI nos traiu. Traiu nossas expectativas de um mundo melhor, justo e sem problemas. Trouxe-nos a tecnologia à jato, nas mãos, acessível com o toque leve de um dedo, mas ainda faz crianças padecerem de fome, faz mulheres serem estupradas, faz homens morrerem em guerras, poda as minorias de seus direitos mais básicos.


O século XXI é mais uma criação humana na tentativa de trazer ordem ao caos. E como tal, é imperfeito, inseguro e incapaz de mudar sozinho. Ele precisa do coletivo para que as mudanças que os escritores e o coletivo nos fizeram acreditar. O século XXI ainda tem muitas décadas pela frente para nos mostrar ao menos um pouco do mundo que foi antes imaginado. Será que poderemos vê-lo?

Até mais!


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