Nas últimas semanas houve certo rebuliço nas redes sociais falando sobre a viagem para Marte - sem volta - que o cientista holandês Bas Lansdorp idealizou. Mars One, o nome da iniciativa, prevê a colonização de Marte a partir de 2023 e contava em agosto com mais de 100 mil inscritos para uma viagem sem volta. A inscrição era paga, com valores variáveis em dólar e a missão toda deve custar por volta de 6 bilhões de dólares. Se vão conseguir ou não, nem é a questão, mas sim o que leva essas pessoas à se aventurarem numa perigosa missão sem volta.
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Uma coisa que a ficção científica mostra com bastante frequência e em riqueza de detalhes são os riscos das missões espaciais. Sabemos que não é um privilégio do gênero, realmente uma viagem ao espaço é perigosa. Basta vermos os acidentes com os ônibus espaciais, os incidentes à bordo da MIR e a missão Apollo 13. Mas os astronautas são cientistas e ex-militares altamente treinados, com saúde de ferro testada e atestada com frequência, o que leva a erros de diagnóstico - o que colocou Jack Swigert na Apollo 13 quando o astronauta titular, Ken Mattingly, foi atestado com sarampo e na verdade nunca teve.
Além de perigosa, ela é cara. Recriar os habitats terrestres lá fora pesa no bolso das agências espaciais. Carregar água, comida, oxigênio, filtrar tudo isso, cuidar da pressão e da blindagem contra a radiação, tudo isso encarece demais as missões, o que acaba levando às agências a optar por missões robóticas, que não precisam de tudo isso. Ainda assim, a missão do Curiosity saiu em 2 bilhões de dólares, um valor ridículo se compararmos o quanto os Estados Unidos gastaram com a Guerra no Iraque, que beirou os 900 bilhões.
Mas ainda assim, todo mundo que foi mandado ao espaço voltou, vivo ou morto, mas voltou. Não abandonamos nosso lar definitivamente. Na ficção científica vemos o quanto é fácil mudar de planeta e colonizar outros mundos, vemos viagens ultrarápidas que nem fazem a gente sentir saudade de casa, pois afinal podemos voltar. E em um universo onde podemos viajar quase que imediatamente entre um lugar e outro, nossa tecnologia poderia reproduzir os luxos e ambientes que temos por aqui. Super fácil, certo?
Em Nêmesis, de Isaac Asimov, uma parte muito interessante é sobre o medo de sair da cúpula de Eritro, um satélite natural de um planeta gasoso do sistema Nêmesis. Além da tal da Praga que assolava às pessoas, os colonos tinham medo da visão do planeta Megas. As pessoas tinham medo, achando que o planeta cairia sobre elas. Um medo que acredito ser natural se estivéssemos na mesma situação. Mas os colonos de Nêmesis eram ainda novatos em colonização de sistemas estelares, portanto este medo provavelmente cairia com o tempo.
O livro também fala do desapego dos moradores de outras colônias do sistema solar para com a Terra, que viam como suja, poluída e com uma gravidade uniforme por toda sua superfície. Era quase um asco mesmo. Mas como bem disse um dos personagens, eles não estavam preparados para uma viagem fora do sistema solar, que ainda tinham como casa, o que gerou conflitos entre alguns deles.
Se transportarmos para a realidade e olharmos para a Mars One, que pretende colonizar o planeta e estabelecer pessoas lá, podemos de cara observar que estas pessoas estão exercendo o desapego ao planeta. E estão dispostas à dar suas vidas para uma missão que pode nem dar certo. Problemas no espaço são difíceis de resolver. Basta ver quantas sondas a NASA já perdeu por falta de comunicação, erro de software e de projeto, e nada pode fazer para trazer de volta o investimento que perdeu. Investimento esse que volta como conhecimento.
A viagem pretende durar por volta de 7 meses, no momento em que Marte estiver mais próximo ou se aproximando da Terra. Deverá levar suprimentos suficientes para que possam sobreviver os 24 selecionados - dentre os 100 mil - na superfície vermelha do planeta. Além de levar habitats para construção na superfície, eles precisarão enfrentar uma série de desafios que por mais bem treinados que sejam na Terra, nem todo mundo pode estar preparado para enfrentar. O isolamento e a distância da Terra, a impossibilidade de retorno, a escassez de suprimentos e os problemas médicos que certamente surgirão.
Claro que assim que a notícia começou a pulular pela internet, os "conscientes" brasileiros, tãããão preocupados com a condição da raça humana, já foram vomitar as merdas de sempre, como "com tanta gente passando fome no mundo e esses covardes vão fugir para Marte". Bem, estes ~covardes~ estão dispostos a dar a vida para serem pioneiros no planeta vermelho e para elevarem nosso próprio espírito de exploração e curiosidade. Estes covardes estão dando a vida por isso, pois não tem volta. O que esse babaca fez pelos famintos do mundo? Aposto que nem sabe que 30% de tudo o que a gente compra no supermercado vai para o lixo.
Eu comparei essas pessoas que estão dispostas a ir para Marte com os terroristas suicidas. Sim, você leu bem, mas por um único e complexo motivo: os dois querem e se voluntariam a dar suas vidas por uma causa. O terrorista não é um doente, ele é uma pessoa comum apaixonada por sua missão e por seu objetivo. Pare e se faça essa pergunta, você morreria por uma causa? Abdicaria da sua própria vida para atingir a um objetivo? Teria a coragem de deixar para trás família, amigos, trabalho, o nosso ambiente, nossas paisagens, para se aventurar no desconhecido e no perigo extremo? Se sim, parabéns. Você conseguiu entender o espírito não só do aventureiro que quer ir para Marte, como também o terrorista que amarra bombas ao corpo ou joga aviões contra torres.
Não estou dizendo que o terrorista é isento de culpa pelo que faz. Estou apenas falando da motivação de ambos os grupos, que é inegável. É óbvio que o terrorista não pensa nas vidas que vai tirar em nome de sua causa. Seja ela qual for, para a religião que for, porque terrorista não é só o muçulmano fundamentalista.
Procure a lista de soldados americanos que ganharam medalhas de honra na Guerra do Vietnã e você vai encontrar dezenas de homens que morreram em ações suicidas pela mesma lealdade ao grupo que moveu as pessoas que cometeram o atentado [de 11 de Setembro].
Philip Schrodt
Se antes de proliferar a diarreia mental que muitas pessoas fizeram pela internet elas pensassem sobre o assunto, veriam que este é um grande teste para o espírito humano. Cem mil pessoas se inscreveram no Mars One porque pretendem deixar o planeta para sempre, deixando famílias e amigos, deixando o planeta que nos criou e que nos cuida há milhões de anos para se estabelecerem em um planeta sem a menor condição de sustentar vida e que pode custar a deles. Eles são covardes? Eles são muito mais corajosos que eu e talvez até que você. E a missão pode ser um completo fracasso, pode nem vir a acontecer ou pode ser um dos maiores triunfos da nossa raça desde a descoberta do fogo.
Até mais!
Viajar pelo universo é um dos sonhos que a ficção ajuda a realizar. Mas ainda falta o gosto de estar lá fora
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