Socorro! As feministas querem acabar com a paquera!

Semana passada o escritório feminista virou um inferno! Depois que o blog Think Olga revelou o resultado da pesquisa sobre cantadas de rua, um furor percorreu a internet, em especial da parte dos homens, revoltados com os dados obtidos. Dispararam críticas dignas de mísseis balísticos contra tudo o que a pesquisa apresentou. Mas a maioria não fez o básico: PENSAR.

Socorro! As feministas querem acabar com a paquera!

Eu disse isso uma vez. Não entendo como que PENSAR é um ato que causa uma reação indignada e reacionária das pessoas. O blog Think Olga começou uma campanha chamada Chega de Fiu-Fiu, que pede o fim o assédio sexual em espaços públicos. Logo em seguida, o blog botou no ar uma pesquisa, bem básica, mas que pedia que as mulheres respondessem se elas gostavam de receber cantadas na rua entre outras várias perguntas sobre local, o que nós ouvimos, como nos sentimos. Foram 7762 participantes - eu inclusa - e 99,6% respondeu que já ouviu cantadas na rua. E desde número, 83% não acha essa uma atitude legal.

E por que não achamos legal? O que uma pessoa vai fazer na rua? Trabalhar, pagar contas, ir ao mercado, à farmácia, visitar um amigo, ir ao cinema, ou seja, vivemos. Quando um homem dispara comentários grosseiros, chama de gostosa, fala que vai me chupar todinha, agarra meu braço, bota o pau para fora e começa a se masturbar em plena luz do dia, me persegue, diz que quer me comer, esse cara está me cantando? Ou isso é um assédio? Ele está verdadeiramente interessado em mim, quer me conhecer melhor, conversar, bater um papo ou é apenas uma marcação de território, abuso de poder, assédio sexual?

assédio nas ruas

Foi aí que o chorume atingiu níveis estratosféricos! Os homens começaram a reclamar de tudo ao que se refere à pesquisa. Da metodologia até o fato de ser um blog feminista, como se os dados fossem inventados. Falaram que as feministas são mal comidas, que queremos acabar com a paquera, com o flerte, com a conquista, que a pauta feminista deve se preocupar com coisas "mais importantes". Que gostamos de ser elogiadas e todo o mimimi era exagero, que vamos colocar a raça humana no caminho da extinção (oi?), que nós na verdade fazemos cu doce e essa pesquisa não quer dizer nada, que agora é impossível se aproximar de uma mulher na rua sem ser preso, que somos frescas, etc.etc.etc..

Ao invés de parar e pensar no que estão fazendo com as mulheres nas rua, onde temos MEDO de andar e ouvir merda, onde precisamos policiar nossas roupas, nossos horários, os homens partiram para a ignorância e para a agressão verbal. Entre na página da pesquisa e veja o nível de alguns comentaristas. Eles se negam a ter empatia de se colocar no lugar de uma mulher e imaginar a razão desse medo, a razão de não gostarmos de ouvir esse tipo de grosseria na rua.

Eu deixei de fazer muita coisa por medo desse palavreado masculino. Eu não tomo mais sorvete em público, em especial se for picolé, pois sempre tem um para disparar "que chupadinha gostosa". Sério, por que alguém precisa dizer isso? Ele realmente acha que vai conseguir um boquetinho de sobremesa se abordar uma mulher assim? Percebem como isso não faz o menor sentido? Isso não pode ser considerado uma agressão? Será que um cara encoxando um mulher ou roçando o pau dele numa mulher - como já aconteceu comigo também - isso sim é uma violência, mas essas "cantadas" estão isentas da nossa revolta?


E aí surge a questão de acabar com a paquera. Gente, pare. Só isso. Pare. Ser respeitada na rua é diferente de acabar com a cantada, com o flerte, com a atração. Eu vejo homens bonitos pela rua e olho, mas nunca cheguei em nenhum desses e apertei a bunda ou falei "essa pica é boa, gostoso?". Nunca invadi o espaço desse homem, cujo corpo é inviolável e seu direito de andar pela rua sem ser incomodado também é. Mas eu não posso ter o mesmo privilégio.

O principal ponto numa cantada é que as partes demonstrem interesse. A gente SABE, a gente VÊ o interesse. Vê o olhar, um sorriso, um aceno. Mas há momento certo para isso, e abordar mulheres na rua não é esse. Perdi a conta de quantas vezes fui assediada na rua, inclusive de um cara, de pau para fora, me perseguir num ponto de ônibus, me chamando de gostosa. Ou da vez em que eu estava numa balada e um cara me agarrou para me beijar à força e precisei acionar a segurança. Ou quando eu estava sentada num banco do ônibus e um cara propositalmente começou a roçar o pau dele no meu ombro. E leia a pesquisa. Isso o que você, homem, chama de 'cantada' nada mais é que um assédio que nos deixa com MEDO. Que nos incomoda. E se algo incomoda e você diz "por favor, pare", por que tem homem tentando se justificar ao invés de pensar em suas atitudes?

“Desde o momento que a gente nasce nos martelam três coisas: medo, pudor, recato. E isso é eternamente cobrado da gente. Ou não estamos na mesma internet que quando alguma menina quebra alguma dessas 3 regras é “VADIA”?

Via @eu_giselle

Muitos caras falaram que eles cantam mulheres na rua porque acham bonitas e que estariam de fato fazendo um elogio. Mas como a própria pesquisa mostrou, não respondemos às 'cantadas', sejam quais forem, por MEDO. Além disso, fica a questão: por que os homens têm esse desejo irrefreável de dizer à uma mulher o quanto ela é bonita? Por que essa necessidade absurda de tornar sua opinião sobre nossa aparência conhecida? Eu não preciso dela. E não a quero.

"Cantada" também é um consequência dessa construção social de papéis que instituímos às pessoas. Ao homem sempre foi guardado o símbolo de poder. Nada mais justo do que ele colocá-lo em prática. Óbvio que a mulher gostaria de ouvir um homem - o arauto da masculinidade, o ser pra qual toda mulher gostaria de abrir suas pernas - dizer o quanto ela é desejada por ele. Óbvio. Como não?

(...)

Eu quase chorei lendo os dados. Por dois motivos: por ver como nós, a sociedade, tratamos as mulheres e por saber que eu, como homem, nunca terei o mínimo da ideia de como é se sentir com medo constantemente, só de sair pela rua. Me sinto sempre um farsante escrevendo sobre isso para vocês. Desculpem.

Diogo Batalha

O mesmo respeito que eu tenho por um cara na rua está sendo exigido com essa pesquisa para as mulheres possam ir e vir sem serem perseguidas, ofendidas, agarradas, agredidas ou envergonhadas. Só isso. RESPEITO. É olhar para uma mulher e ver que somos seres humanos, que respeito é nosso por direito e que não precisamos fazer nada para recebê-lo, pois você, leitor homem, já o tem sem ter que fazer nada. Mas mulher, ahhhh, "mulher tem que se dar o respeito", não é isso que todo mundo fala? E quando exigimos respeito, o que ouvimos é "ahhh, vocês gostam dessas cantadas, vai, parem de frescura".


Se ainda resta alguma dúvida sobre o porque essas atitudes serem tão escrotas, não se aproxime de uma desconhecida caso você, caro macho, não tenha ainda entendido. Se ainda ficou difícil de entender, mesmo que 17% das mulheres na pesquisa afirmem que essas cantadas são bacanas, não arrisque assediar as outras 83% na pressa de acertar, e o principal, NÃO ASSEDIE. Flerte, paquera, são coisas que precisam de reciprocidade, que precisam que as duas partes estejam envolvidas. Caso o contrário, nada mais é do que agressão, assédio e abuso.

Até mais.

Leia mais:
Blogueiras Feministas - Como abordar mulheres sem ser nojento
As Mulheres da Minha Vida - O teatro da vida
Carta Capital - Cantada de rua: apenas parem
Think Olga - Resultado da Pesquisa Chega de Fiu-Fiu
The Current Conscience - A Message To Women From A Man: You Are Not “Crazy”
Blogueiras Feministas - Assédio verbal e a pesquisa “Chega de fiu-fiu”

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