O design de Aeon Flux

Muita gente torceu o nariz para o filme, que é uma adaptação de Aeon Flux, a animação de 16 episódios feita em parceria com a Coréia do Sul e a MTV norte-americana, a partir de 1991. Aqui no Brasil ela costumava passar no programa Liquid Television, da MTV Brasil. Se formos olhar, de fato, os dois ambientes apresentam suas diferenças, mas não podemos tirar o mérito da produção que teve Charlize Theron como a agente e sabotadora Aeon.

O design de Aeon Flux
No futuro, depois que uma pandemia quase destruiu a raça humana, tudo o que resta é a cidade de Bregna, futurista, fechada, altamente avançada, onde o governo parece esconder um segredo de seus cidadãos. Incomodados com os desaparecimentos, com as mentiras, surge o grupo rebelde Monicanos, que visa destruir o regime Goodchild e descobrir a verdade.

Ainda que o filme seja criticado pelo roteiro e até por algumas atuações, o trabalho gráfico e a fotografia do filme são excelentes e demonstram um trabalho dedicado de sua equipe. Os produtores de Aeon Flux chegaram a pensar em Brasília para as filmagens devido à sua arquitetura arrojada e futurista, assinada pelo grande Oscar Niemeyer. Eles precisavam de uma cidade que desse o ar clean e tecnológico para Bregna em 2415, a única cidade que sobreviveu à uma grande epidemia que quase aniquilou a raça humana. No final, eles optaram por Berlim, pelas facilidades de deslocamento e pelo custo. Mas a escolha deu ao filme exatamente o que os produtores queriam.

O longa segue a mesma linha de filmes como Gattaca e Equilibrium, onde optou-se por uma estética retro-futurista, especialmente a arquitetura própria da era espacial desenvolvida por arquitetos renomados da escola Bauhaus. Procurou-se lugares que possuíssem um alto nível geométrico, pureza nas suas formas, texturas e que sua interação com a luz fosse grandiosa, criando um alto contraste nas suas formas, como se elas tivessem saído de outro mundo ou viessem de um mundo muito longe da nossa realidade.

Windkanal, 1932
Windkanal, 1932. Construído para testes com aerodinâmica. Desmantelado pelos russos, só sobrou o túnel.

Bregna foi construída de maneira utópica, muito avançada tecnologicamente, com um ar orgânico que mesmo nos dias de hoje conseguiu manter o filme atual, sem dar a ele um ar datado como acontece com algumas produções. A visão arrojada da cidade logo mostra seu propósito. Os grandiosos prédios e espaços abertos são uma estratégia de dominação e poder de sete gerações de Goodchild's. O cenário todo é mercado por curvas sinuosas, muito concreto aparente e a ousadia de cores quentes, que dão uma visão sensual ao filme. Eu classificaria Aeon Flux como um filme cyberpunk clean, pois mesmo tendo ali os componentes de uma ficção científica cyberpunk, como o herói renegado, o controle governamental, muita tecnologia como implantes corporais, o visual é claro, limpo, muito colorido, sem a sujeira das ruas como vimos, por exemplo, em Blade Runner.

Bauhaus Archiv Museum for Design.
Bauhaus Archiv Museum for Design. Walter Gropius, 1979.

É interessante notar como o design e a arquitetura futuristas estão quase sempre atreladas ao espaço, à tecnologia, ao mundo novo do futuro. No entanto, as construções que vemos no filme Aeon Flux datam de décadas como 1930, 1950, 1970 e anos 2000, mostrando que o processo pode ser o inverso. Seria o design e a arquitetura que influenciaram a visão futurista dos autores para criar seus enredos de ficção científica. E daí temos essa impressão do contrário. Não vemos em filmes e séries de TV - em geral, pois existem exceções - uma influência de arquitetura greco-romana, por exemplo, mas podemos ver suas inspirações. Mas fica um questionamento: em que ponto essa visão deixa de ser futurista?

Sede do governo Goodchild. Interior do Krematorium Baumschulenweg: Axel Schultes e Charlotte Frank, 1999
Sede do governo Goodchild. Interior do Krematorium Baumschulenweg: Axel Schultes e Charlotte Frank, 1999.

Poucas vezes na ficção científica vemos um futuro distópico com o visual adotado em Aeon Flux e acho que foi o que mais me agradou nele. É uma distopia pós-apocalíptica, já que a doença industrial dizimou mais de 90% da população mundial e seus sobreviventes ficaram estéreis, tendo que recorrer à clonagem para manter a espécie até achar uma maneira de contornar a infertilidade. Mas esperamos aquele ambiente entulhado, sujo, com pessoas vivendo na miséria, matando um leão por dia para sobreviver. Nestes universos, a alta tecnologia está concentrada em certos espaços, mas não está totalmente acessível ao público.

No entanto, os produtores de Aeon optaram por uma mudança radical no que normalmente se espera de uma distopia cyberpunk, contrariando o próprio desenho original dos anos 90. Minimalista, muito avançado tecnologicamente, mas pouco aparente e com um design que pouco lembra os aparelhos que temos hoje em dia. Muitos espaços abertos, áreas verdes - algo difícil de se ver em distopias - roupas coloridas, minimalistas e sensuais. Aeon chega a lembrar a Molly do livro Neuromancer, com seus implantes e as roupas coladas.

O quarto de Aeon, minimalista, curvo, concreto aparente
O quarto de Aeon, minimalista, curvo, concreto aparente.

Um dos objetivos da diretora era o de ter protagonistas femininas que abrissem caminho por uma realidade antagônica, onde essa jornada também se desdobrasse em aspectos físicos. Ela queria mostrar características que costumam ser atribuídas a homens em suas mulheres complexas e repletas de sentimentos. E acho que Aeon Flux é um bom exemplo desse desejo.

Até mais!

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