Mecânicos X Orgânicos

Até agora esse embate entre mecânico e orgânico não parece ser importante. Nossas máquinas não são tão humanas quanto parecem, obedecem nossos comandos e podemos desligá-los e ligá-los o quanto quisermos. Temos computadores, celulares, computadores em celulares, carros, robôs em fábricas e em equipamentos médicos... Mas para haver um embate entre o que é orgânico e o que é mecânico, é preciso conferir às máquinas uma coisa que já gerou conflitos na ficção científica: humanidade.

Mecânicos X Orgânicos

Estive assistindo ao filme AI, Inteligência Artificial, que apesar de ter um final questionável, é bem feito e trata do conflito entre humanos e máquinas e da sobrevivência. Existe no filme uma Feira de Carne, onde robôs não registrados, fugitivos ou que deveriam ter sido desativados são desmembrados, queimados, destruídos com ácido, em um "espetáculo da vida". As pessoas pagam ingressos para assistir os robôs sendo despedaçados, mas ao verem o menino-robô, feito para amar, elas desistem e se revoltam.

Um robô é um dispositivo ou conjunto de dispositivos. Ele pode ser operado pelo controle humano, autônomo ou semi-autônomo. Vemos milhares deles na industria, substituindo o trabalho humano, vemos tentativas de imitar o ser humano, mas ainda não vimos nenhum capaz de nos causar a comoção que o menino-robô causou no filme, pois nossos robôs não parecem humanos. Não nos identificamos com eles, nem estabelecemos uma relação pessoal capaz de gerar a empatia necessária para encararmos aquele dispositivo como um ser humano ou como algo digno dessa empatia.

Existe um episódio de Stargate em que um dos cientistas da expedição, Rodney McKay, em Atlantis cria um Replicante, que no enredo são seres mecânicos compostos por nanotecnologia capazes de se replicar extremamente perigosos. A ideia era usar este replicante para causar uma reação em cadeia que destruiria todos os outros, inclusive aquele recriado pelo cientista e o planeta deles. A chefe da expedição, coronel Samantha Carter, se sente desconfortável em ver um ser consciente concordar com sua própria destruição para contribuir com a missão e de ver que a replicante tinha essa consciência e estava ansiosa para cumpri-la.

É muito difícil atribuir vida a um robô, pois o conceito de vida é complicado de se definir. Se estabelecermos que vida é tudo o que é biológico por natureza, temos que englobar aí desde as bactérias até os animais superiores. Mas um ser consciente de sua existência é vida também, pois ele tem a noção de si e dos outros seres conscientes. Se for assim, o que dizer da reação extremada do menino-robô de AI, que implora para não ser morto na Feira de Carne? É apenas parte de sua programação em querer se preservar ou ele possui uma consciência que extrapola sua programação, como podemos ver no filme Eu, Robô, em que os robôs se mantém em grupos e um deles até tem "sonhos"? Se é parte da programação, por que ele implora e os outros não?

Como fazer para programar emoções? Data, o androide de Jornada nas Estrelas, tinha um chip de emoções e era capaz de desligá-lo quando quisesse. Mas emoções não fazem parte da vida consciente? Como programar o amor? O menino-robô é capaz de amar, mas e de odiar? Ele destrói o robô igual a ele quando chega para encontrar seu criador porque quer ser único e não quer dividir sua mãe com os outros como ele, tamanho seu amor por ela. Se nem seres humanos, ao cometerem crimes passionais, conseguem fazer a distinção entre amor e ódio, o que dirá um dispositivo autônomo? Porém, isso nos dá o direito de exterminá-los em feiras de carne, celebrando o ódio à tecnologia, apenas para nos sentirmos vivos?

Não tenho condições de responder à pergunta sobre o embate entre orgânicos e mecânicos. Mas devemos imaginar o que seria desse embate se no futuro a raça humana tiver condições de conceder uma consciência aos robôs. O medo puro de confrontá-los já apareceu diversas vezes na literatura, no cinema e na televisão, então devemos acreditar que evitar o conflito é possível ou podemos perecer com ele.

Até mais!

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