Inocente e sexy: o estereótipo da Born Sexy Yesterday

Muita gente na semana passada me indicou o vídeo do canal Pop Detective e a análise que ele faz de algumas heroínas da ficção, em especial na ficção científica. Aliás, muito obrigada à galera que me mandou o vídeo! Eu já o tinha visto nos alertas do Google que recebo diariamente e é uma coisa que eu tinha notado antes ao rever O Quinto Elemento há pouco tempo atrás. O que me chamou a atenção logo de cara é que Leeloo é um ser supremo, perfeito, coisa e tal, com um genoma construído para ser insuperável, mas que fala e se comporta feito uma criança.



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Você pode nunca ter percebido, mas o estereótipo da "inocente e sexy" está bem disseminado por aí. É aquela mulher inocente, que não conhece nada do mundo onde está, apesar de seu corpo ser adulto e sensual. Ela depende de um homem para ensiná-la a viver neste mundo tão estranho, tão difícil de compreender, onde as coisas são feitas de formas que ela não compreende. Dos animes japoneses, à ficção científica, aos filmes da Sessão da Tarde, à era de ouro do cinema, existem mulheres inocentes e sexys em tudo quanto é lugar.

O Planeta Proibido (1956), A Máquina do Tempo (1960) e Planeta dos Macacos (1968) são alguns dos primeiros exemplos dentro da ficção científica onde encontramos essa mulher. Stargate (1994), Star Trek Série Clássica, TRON O Legado (2010), Demolidor (1993), O Quinto Elemento (1997), Star Trek Voyager, Minha Noiva É uma Extraterrestre (1988) e Cloud Atlas (2012) também. Mas não apenas na FC isso é comum. Encantada (2007) é um ótimo exemplo recente e mesmo gostando de ver a princesa salvando o príncipe, Giselle é extremamente infantil e amadurece apenas por conta do contato dela com o homem do mundo real.

Em geral, esta mulher sensual com cabeça de criança e nenhuma experiência está atrelada romanticamente ao herói da história. Uma das características desta mulher é lutar. Então, assim, ela não sabe nada do mundo, nem comer ela sabe (Minha Noiva É uma Extraterrestre) mas é foda na luta, no manejo de espadas ou aprende a usar uma arma letal em poucos minutos. Em TRON O Legado, a descrição dos ISOs e de Quorra é exatamente esta: profundamente ingênuos, inimaginavelmente sábios, porque ela é um ISO. Ok, entendo que os ISOs na história eram programas espontâneos e conscientes formados naquele universo, mas tinha que ser mulher? Tinha, claro, pois o roteiro demandava um interesse romântico para Sam Flynn.

Ela é seu interesse romântico e cabe a este homem que tem um brutal medo de rejeição ensinar as coisas do mundo. Existem filmes em que o contrário acontece? Sim, é só lembrar do filme com Brendan Fraser, De Volta para o Presente (1999), em que ele é o inocente, sem nenhum sexy appeal. A questão é que quando temos um cara, o filme normalmente é em tom de comédia, a gente ri das desventuras desse sujeito com uma mulher adulta e mais experiente. Mas quando é o contrário, que também é o mais comum, o tom é sempre outro.

E é aqui que mora o perigo, pois o estereótipo da mulher inocente e sexy valoriza uma visão puritana e patriarcal, baseada na inocência virginal e infantil da mulher, tanto física quanto psicologicamente, pois o que mais tem nestes filmes são cenas de homexplicação. Eu perdi a conta de quantos caras, até alunos meus de ensino médio, já disseram que só gostam de "mina novinha e inocente". Um dia eu rebati do por que disso e eles disseram que era "pra ser pura e poder ensinar tudo pra ela". Às vezes esses caras não sabiam mirar a água no vaso sanitário, mas achavam que tinham condições de ensinar algo a alguém.

O que vemos nos filmes onde ela aparece é que existe uma fantasia masculina em ação, onde ele escapa de ser humilhado pela rejeição vinda de uma mulher que pode saber mais do que ele. Esse sujeito não se sente confortável com mulheres de seu próprio mundo, então alienígenas, sereias, princesas, seres supremos e ISOs possuem grande apelo. Se ela nunca conheceu outro homem, então não tem base de comparação. Então, em sua visão, aquele homem é o supra sumo da masculinidade, uma Coca-Cola no deserto. Assim, este cara não precisa se esforçar para ser um bom sujeito, ser bom de cama e de papo, pra ela que diferença isso faz? É também aqui que vemos a ação de roteiristas homens, escrevendo para outros homens que estarão assistindo a esse filme.

A Inocente Sexy pouco difere da Manic Pixie Dream Girl, cujas qualidades fofas, esquisitas e cheias de vida darão uma guinada na vida de caras infelizes, solitários, inseguros, de baixa auto-estima e que não se enquadram no mundo. A Manic Pixie Dream Girl também está presente na Doença de Aly MacGraw, onde a doença e morte de uma mulher (que por um motivo misterioso fica cada vez mais bonita quanto mais doente ela fica) servem de catalizador para a salvação do sujeito. Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004) é um exemplo perfeito de Manic Pixie.

Como resolver o problema? Como impedir que essas mulheres inexperientes e sensuais apareçam com tanta frequência nas telas? Elas precisam ser bem escritas. O estereótipo é sempre incompleto, é sempre uma caricatura. E mostrar mulheres como crianças grandes e sexys é bizarro, extremamente problemático, que apaga mulheres adultas dos enredos e valoriza a infantilização. Basta ver a dificuldade de atrizes que nem chegaram aos 40 anos de conseguirem papéis adequados para sua idade. Hollywood mantém o estereótipo ligado porque mantém suas atrizes da mesma forma. Sejam sempre jovens, sejam sempre sexys, usem vestidos bonitos e desfilem no tapete vermelho. Foi situações como essa que criaram o movimento #AskHerMore (Pergunte Mais a Ela), para que os repórteres perguntassem sobre projetos, não sobre vestidos. Está na hora desse jogo mudar.

Até mais!

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Comentários

  1. Eu sei que não dá pra mencionar todos os exemplos, porque são muitos, mas em 4400 há um exemplo MUITO ABSURDO. Um bebê super poderoso que do dia pra noite se torna uma mulher adulta, sedutora (porém ingênua pra coisas triviais) e ávida por sexo. E pra piorar, como desgraça pouca é bobagem, negra. Sim, uma mulher negra sendo representada desta forma. Espumei.

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  2. Tem um lado terrível desse estereótipo que é a pedofilia. A sexualização de comportamentos infantis é um absurdo, n consigo nem entender como alguém acha isso normal (ou, pior, legal).

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    1. Para mim esse flerte com a pedofilia tinha ficado bem óbvio nos mangás e animes, que eu tive contato mais próximo da idade adulta, mas o texto me mostrou o que era tão óbvio que eu não via de tão normalizado: o mesmo problema se apresenta na cultura ocidental.

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