A polêmica forma da Via Láctea

É de conhecimento geral, ou quase, que o nosso sistema solar faz parte de uma galáxia chamada Via Láctea, esta contendo bilhões de estrelas e muito mais de planetas, ainda quase totalmente inexplorada por nós. Para os antigos egípcios, o rastro luminoso no céu era uma extensão do rio Nilo. Seu aspecto leitoso brilhante no céu noturno deu origem ao seu nome, pois gala em grego quer dizer "leite".

Visão artística com dados obtidos da missão Gaia-ESO



A imagem mais comum que temos dela é com um bojo central cercada de braços, ao menos quatro, em uma visão harmoniosa que parece imutável. Pois dois cientistas brasileiros contestam estas informações cristalizadas e outros pesquisadores pelo mundo apoiam a revisão dos dados.

Os cientistas são Augusto Damineli e Jacques Lépine, ambos astrofísicos da Universidade de São Paulo (USP). Os dados coletados por trabalhos independentes da dupla contestam a visão tida como oficial da nossa galáxia. Ela pode ser menor, com braços menos espiralados do que se pensa e inclusive mais densa.

Só para a gente se localizar, a Via Láctea costuma ser descrita como uma galáxia espiral barrada, bem parecida com a imagem acima que abre o post. Ela possui um bojo esférico central meio ovalado, circundada por um halo de baixa densidade de matéria com um grande disco meio achatado ao redor onde estão os braços espiralados. Ela também apresenta uma barra, uma região que atravessa o bojo central com alta concentração de estrelas, de onde saem os braços. Estrelas mais velhas (amarelas e vermelhas) localizam-se em geral na região central e as estrelas de maior massa e mais novas (azuis), costumam delinear seus braços. Evidências também apontam para a existência de um grande buraco negro no bojo.

Muito se discute sua forma, sua massa, sua formação. O principal problema são os braços. São quatro, são dois? De acordo com os estudos de Lépine, ela pode ter apenas dois grandes braços em sua região central, porém com mais quatro nas vizinhanças. Ainda de acordo com o autor, os braços não seriam espirais perfeitas como as imagens mostram. Trechos poderiam estar em ângulo reto, dando à Via Láctea um aspecto losangular, como muitas galáxias que existem no universo. O estudo também indica a presença de um braço na região periférica, chamado de Centauro-Cefeu pelo astrofísico brasileiro.

É muito difícil estudar a Via Láctea pois estamos dentro dela. Se fosse possível vê-la de fora, com certeza todas estas dúvidas não inflamariam os discursos daqueles que defendem a visão clássica e aqueles que apoiam revisão dos dados. Até a posição do nosso sistema solar atrapalha, pois ele está cinco graus apenas acima do plano galáctico, o que dificulta ainda mais a visão. Também não é possível observar diretamente através da luz visível, é preciso recorrer a outros comprimentos de onda (raios-X, ultravioleta, infravermelho) para poder captar todas as nuanças. Certas regiões galácticas não são ainda conhecidas pois a poeira junto dos gases que compõem o espaço interestelar, absorve diversos comprimentos de onda (fenômeno da extinção) e os espalha.

Um outro dado também aumenta sua massa total, quase igualando à massa da galáxia de Andrômeda, uma vizinha. Medições feitas no Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics indicam que a galáxia gira a uma velocidade de 995 mil km/h, ao invés dos 805 mil que se pensava anteriormente. Para girar a essa velocidade tão alta, ela precisa ter uma massa total que é o dobro da massa atual.

Com tantos novos fatos e com a pesquisa animadora de cientistas brasileiros, só podemos esperar que novidades sobre nossa Via Láctea cheguem com mais frequência. O mais interessante é ver a ciência brasileira debatendo conceitos já cristalizados na astrofísica e propondo revisões daquilo se tinha com certeza. Nada é certo, mas com certeza, praticamente tudo é possível.

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