Sou fã do trabalho de Dan Jones desde que assisti sua série sobre grandes castelos britânicos na Netflix. Assim fui procurar outros livros do autor para ler, além de Templários, e me deparei com este calhamaço sobre a Idade Média. O mundo medieval nem de longe é aquela idade das trevas que aprendemos na escola. A Idade Média não foi um período de estagnação ou declínio, mas sim uma época de intensa efervescência política e cultural.
O livro
A Idade Média, na Europa, durou aproximadamente mil anos, começando com a queda do Império Romano do Ocidente em 476 d.C. e terminando com a queda de Constantinopla em 1453 d.C. Às vezes a gente esquece o quanto essa idade durou e como muitas coisas modernas foram moldadas nela. Praticamente tudo o que vemos hoje também foi experimentado pelos povos da Idade Média: mudanças climáticas, pandemias, migração em massa e revoluções tecnológicas.
As palavras portam uma carga pesada. A Idade Média é muitas vezes alvo de uma grande piada histórica. 'Medieval' costuma ser utilizado como um termo ofensivo, particularmente por editores de jornais, que o usam como metáfora para se referir à ignorância, a barbaridades e à violência gratuita.
O escopo geográfico do livro abrange todos os continentes, exceto a Antártica e a Australásia e o autor optou por usar termos familiares e às vezes até do senso comum para manter a agradabilidade do texto. Além de esclarecer, o autor procura entreter e mesmo tendo mais de 600 páginas, a leitura fluiu muito bem, com agilidade de um livro de ficção. A narrativa aborda momentos marcantes da história, como o declínio de Roma, a ascensão do islamismo, as Cruzadas, a Peste Negra, o protestantismo, intercalando com personagens notáveis que fizeram a diferença. Nem todos os personagens deste vasto elenco podem ser considerados admiráveis ou virtuosos, mas nenhum é tedioso.
Gostei muito do fato de Jones ultrapassar um pouco o escopo temporal do livro. Ele não chega direto com a queda do Império Romando do Ocidente, ele volta no tempo para mostrar como o império chegou lá. Se você é da minha geração, deve ter aprendido que a causa principal foram as invasões bárbaras, mas Jones se aprofunda nos reinos bárbaros e mostra como uma série de decisões catastróficas levaram ao colapso. Enquanto os romanos aproveitaram de quatro séculos de uma estabilidade climática sem precedentes, seu império floresceu. Mas por onde passavam, eles criavam desolação e chamavam isso de paz.
Logo, os povos conquistados começaram a se rebelar, a crescer, a sofrer invasões de outros povos, e um império romano antes poderoso começa a rachar, deixando seu legado em vários reinos menores. Ainda que mencione Bizâncio várias vezes, o foco do autor em quase 90% do tempo é na Europa Ocidental. A influência de Roma permaneceu em alguns lugares, como no velho mundo grego, enquanto em outros, como na Britânia, os sinais mais óbvios da influência romana diminuíram drasticamente quando as legiões se retiraram.
Jones recontextualiza a história medieval utilizando descobertas recentes sobre o impacto do clima, da tecnologia e dos patógenos nas culturas humanas. Um exemplo de mudança climática desastrosa foi aquela que deslocou os hunos, o que acabou deslocando os godos, fazendo cerca de 100 mil refugiados buscarem a salvação em Roma, um império já em decadência em 376. É possível imaginar aquelas pessoas tentando entrar nos territórios romanos, com fome, carregando suas poucas posses, perseguidas por tiranos. Não parece tão longe assim do nosso mundo moderno, parece?
A narrativa de Jones abrange uma ampla gama de impérios, culturas e guerras interconectados: da China à África; das estepes dos mongóis aos desertos da Arábia. Ele faz observações precisas sobre as injustiças do período como a escravidão, a misoginia e o racismo. Ele enaltece a cultura islâmica e como ela foi responsável por guardar e transmitir o legado de filósofos, médicos, historiadores, geógrafos através de suas traduções e as Casas da Sabedoria. Longe de ser uma era de trevas, esta foi uma época em que as pessoas eram capazes de criar sistemas complexos de leis e governança que ajudavam a manter a ordem e a estabilidade.
Durante a Idade Média, estudiosos árabes compilaram, traduziram e preservaram centenas de milhares de textos de todo o mundo clássico, e o mundo islâmico de língua árabe herdou a posição do mundo grego e latino como a sociedade intelectual e científica mais avançada do Ocidente.
Ao mesmo tempo em que narra e detalha os eventos inovadores da Idade Média, Jones não tem medo de reconhecer os aspectos mais sombrios da sociedade medieval. Ele tem uma visão clara da violência, da superstição e da desigualdade que também caracterizavam o período, e não hesita em descrever as brutalidades da guerra, da fome e das doenças que afligiam os povos medievais.
O diferencial desse livro é que Jones explica os 'porquês'. Naquelas aulas de história da escola, a gente aprendia sobre as invasões bárbaras e era isso aí, sem grandes detalhes sobre os motivos e as consequências. Jones aqui explica porque os povos ditos bárbaros pressionaram tanto as fronteiras romanas, as consequências disso, como esses bárbaros deram origem a vários reinos europeus e as consequências de suas decisões na vida de milhões de pessoas. Ele também explica sobre o poder da Igreja Católica e como ela se tornou a potência medieval sobre a qual aprendemos.
O capítulo que fala da Peste Negra foi um dos mais bem escritos do livro e que elucida muito daquele período. A tragédia caiu sobre a Europa Ocidental não apenas por conta da Yersinia pestis, mas também por uma mudança climática que afetou a alimentação. As safras foram severamente afetadas, com colheitas ruins, fome e aumento severo do preço dos alimentos. As pessoas enfrentaram dificuldades para sobreviver e quando a peste chegou encontrou uma população faminta, fragilizada e reinos despreparados para a mortandade que estava vindo. Para quem acabou de sair de uma pandemia, este capítulo é extremamente desconfortável.
Um dos pontos fortes do livro é a maneira como Jones entrelaça as histórias individuais de figuras poderosas como Carlos Magno, Guilherme, o Conquistador, e Joana d'Arc em uma narrativa mais ampla. Cada capítulo se concentra em uma pessoa diferente, mas o livro é organizado de tal forma que as histórias individuais se complementam, criando um efeito que dá ao leitor uma noção das forças maiores em ação na sociedade medieval. Jones é um contador de histórias extremamente habilidoso, e sua capacidade de dar vida ao passado é plenamente demonstrada aqui. É um livro que deixa Game of Thrones no chinelo.
Assim como o autor começa o livro um pouco antes da queda do Império Romano, ele também o termina um pouco depois do fim formal da Idade Média e mostra os antecedentes da Reforma Protestante, seu durante e seu depois e a forma como ela influenciou a Era Moderna. O livro também é recheado de mapas que nos ajudam a situar no tempo e no espaço os eventos. Nem parece que foram mil anos de história em pouco menos de 700 páginas.
A revisão da editora deixou alguns errinhos escaparem, mas em geral o livro está bem revisado e com uma ótima tradução de Claudio Carina.
A história continua acontecendo ao nosso redor, moldando atitudes, crenças, preconceitos e visões de mundo.
Obra e realidade
Uma coisa de que lembro bem das aulas de história da escola era como o mundo parecia. A impressão que dava é que a Idade Média foi uma era de trevas, que só foi boa quando acabou. Do fim do Império Romano do Ocidente até a queda de Constantinopla é como se houvesse um grande borrão na história mundial, de onde nada de relevante ou importante saiu. Esse sentimento me acompanhou até a faculdade, onde pude ver que não era bem assim que a banda tocava.Um ponto forte do livro de Jones é a sua acessibilidade. Ele é historiador, mas escreve para um público popular, e sua prosa é clara e envolvente. Ele consegue explicar ideias complexas e eventos históricos de uma forma fácil de entender, sem nunca menosprezar seus leitores. Isso torna o livro uma excelente introdução à história medieval para qualquer pessoa interessada no assunto, mas sem muitos conhecimentos prévios. E mesmo quem tem conhecimentos prévios pode se sentir abraçada pela obra, que atende muito bem a vários públicos.

Daniel Gwynne Jones é um historiador, escritor, apresentador de televisão e jornalista britânico.
PONTOS POSITIVOS
Fatos históricos
Idade Média
Bem escrito
PONTOS NEGATIVOS
Preço
Fatos históricos
Idade Média
Bem escrito
PONTOS NEGATIVOS
Preço
Avaliação do MS?
Que leitura! Sem ser chato ou academicista, Jones nos entregou uma grande obra. Consigo até imaginar esse livro como uma série de documentários, cada um abrangendo uma das quatro partes dele. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!
Até mais! ⚔️
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