O fim da missão do Opportunity

Venho acompanhando as missões espaciais há muito tempo. Esperei 15 anos pela chegada da New Horizons a Plutão, chorei com o fim da missão da Cassini e fiquei angustiada com a falta de comunicação do jipe Opportunity com o controle da missão desde junho de 2018. A NASA vinha tentando restabelecer as comunicações, mas infelizmente o jipe não respondeu aos chamados.

O fim da missão do Opportunity, arte de Hunty Draws no Twitter

MER-B foi o segundo de dois veículos exploradores geológicos da NASA a pousar na superfície de Marte. O Opportunity, carinhosamente apelidado de Oppy, pousou no planeta vermelho em 25 de janeiro de 2004, três semanas depois do seu robô gêmeo, o Spirit, também pousar. Sua missão original tinha uma previsão de durar 90 dias e durou mais de 15 anos. O Spirit parou de funcionar em 2010 depois de ficar emperrado no ano anterior. Enquanto isso, o Opportunity superou todas as expectativas dos controladores da missão e engenheiros e se tornou um marco na exploração do planeta vermelho.

Admiramos o planeta Marte há muito tempo. No Skanda Purana, Marte era Mangala (मंगल), nascido do suor de Shiva. Para os babilônios, era Nergal, a divindade do fogo, da guerra e da destruição. Os antigos egípcios o chamavam de Hórus no Horizonte, Ḥr Dšr, ou Hórus, o Vermelho. Ele encanta a humanidade por sua cor vermelha e brilho, associando-o a períodos de destruição e grande dor. Olhando por telescópios, Percival Lowell chegou a considerar que os canais que vemos em sua superfície teriam sido construídos por uma civilização antiga.

É também um dos planetas mais utilizados na ficção científica. Na Era de Ouro, os invasores marcianos representavam o perigo comunista, invadindo as pobres cidades do ocidente e destruindo o estilo de vida norte-americano. Sua superfície foi modificada e terraformada por Kim Stanley Robinson em sua trilogia marciana e em Babylon 5 se tornou uma colônia independente da Terra com a frase "Free Mars!".

As descobertas dos dois jipinhos, Opportunity e Spirit, nos mostraram um Marte que já teve água líquida na superfície, contrariando a visão atual de um mundo seco, frio e desértico, além de uma coleção de 342 mil imagens brutas do planeta, com 31 imagens panorâmicas e coloridas, algumas com visões de 360°. Oppy identificou rochas sedimentares fora da Terra e desafiou seus engenheiros e controladores pelo terreno acidentado de Marte, gerando conhecimento e técnicas que viriam a aprimorar as missões seguintes, como a do Curiosity e da sonda Insight. Não foram poucas as vezes em que suas rodas dianteiras deram problemas e ele enfrentou outras tempestades de areia.

Mas é graças a esses desafios impostos aos engenheiros e controladores da missão que hoje nós sabemos como melhor operar os jipes em Marte. É graças ao pioneirismo desta missão que futuras gerações de cientistas e quem sabe de astronautas saberão como explorar e até a sobreviver em Marte.



Os desafios enfrentados pelo jipe e seus operadores, o lastro imenso de conhecimento gerado, o pioneirismo e suas descobertas fizeram de Oppy um queridinho daqueles que são amantes da exploração espacial, da ciência e do conhecimento. Talvez seja por isso que tantos de nós ficaram tocados com a tentativa da NASA de restabelecer contato depois da última mensagem de Oppy, ano passado:

Minha bateria está fraca e está escurecendo.

A tempestade de areia de junho de 2018 cobriu os painéis solares do jipe. A esperança era que os ventos pudessem varrer a areia e fazê-lo retomar às atividades e ligar o aquecedor interno, que impedia seus sistemas de congelarem no inverno marciano. Oppy não funciona a uma temperatura menor que 4,5°C sem seus aquecedores. Na última terça-feira, dia 12, a NASA enviou um sinal, ecoando pelo espaço pela voz inesquecível de Billie Holliday:

I'll find you in the morning sun
And when the night is new
I'll be looking at the moon
But I'll be seeing you

Mas não houve resposta. Um silêncio ensurdecedor foi sentido com pesar pelos controladores e pelos fãs da missão de Oppy. Foram 8 meses de tentativas e mais de mil comandos e tentativas de fazê-lo voltar à vida. Não havia mais o que fazer e a NASA declarou na quarta-feira, dia 13 de fevereiro, o fim da missão do intrépido Oppy. Sua missão, por sua vez, entrou para a história: ele é o robô que mais trabalhou no planeta vermelho e que revolucionou a forma como operamos e enviamos missões para Marte.

A previsão é que em 2020 a NASA lance o jipe Mars 2020, cuja missão o próprio Oppy ajudou a aprimorar, além de agora ele contar com uma inteligência artificial que possibilite tomadas de decisão sem os envios de comandos da Terra. Acredito que os marcianos vão adorar fazer uma engenharia reversa em cima dessa nova missão! #brinks

Sou um tanto crítica com a antropomorfização de robôs. A ficção científica nos mostra os riscos de humanizar máquinas, especialmente aquelas que podem se voltar contra nós. Nosso cérebro é programado para reconhecer rostos e nos apegamos a bens e itens artificiais. Porém como não se apegar a equipamentos que nos levam além? Que superam sua própria vida útil e nos leva a outros planetas, que nos faz enxergar o universo além do nosso humilde quintal? Como não se emocionar com a NASA enviando Billie Holliday para tentar acordar Oppy? Como deixar de ser humano nessas horas?

Missões como a do Opportunity nos mostra o que há de melhor no espírito humano. Que quando nos empenhamos por um bem comum, quando queremos expandir nosso conhecimento e superar dificuldades, que nós temos a capacidade de fazer isso. Oppy nos mostrou que somos capazes de nos superar e de nos melhorar, de que podemos superar os desafios e aprender com eles. Em momentos tão desesperançados, vamos encarar a missão como um esplêndido sucesso e continuar progredindo e se superando cada vez mais.

É graças a missões como a do Opportunity que chegará um dia em que nossos bravos astronautas andarão na superfície de Marte.

Jim Bridenstine, administrador da NASA

Vida longa e próspera! E obrigada por tudo, Oppy! 🖖

tirinha do XKCD sobre o Opportunity se tornando inteligente e tomando parte do planeta Marte para si

Leia também:
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NASA dá adeus ao rover Opportunity após 15 anos de missão - Canaltech
NASA’s Opportunity rover is dead. Here’s what it saw during its 14 years on Mars - VOX

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Comentários

  1. Muito emocionante o post. Qual a origem tanto e tirinha do inicio do post quanto ao final,quando passamos do ano de 2010 para 2450?

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    1. A tirinha é do XKCD e a arte é de arte de @HuntyDraws no Twitter. As fontes ficaram na descrição das imagens, mas não saiu no post.

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