Resenha: Radioativas, de Kate Moore

Pensa num livro que vai te fazer odiar o capitalismo (se é que você já não o odeia). É esse aqui. Kate Moore fez uma brilhante pesquisa histórica ao resgatar as vidas, dramas e dores das mulheres que morreram no começo do século XX depois de trabalharem para uma fábrica de relógios. Parece inócuo e seguro, não é?

O livro
O clima geral é de otimismo para muitas moças no começo do século XX. Apesar dos horrores que o mundo viveu por conta da Primeira Guerra Mundial. Elas estão tendo acesso ao mercado de trabalho, estão tendo renda para ajudar suas famílias e havia empresas contratando moças jovens e dispostas a uma vaga que parece bastante banal: pintar mostradores de relógios.

Resenha: Radioativas, de Kate Moore

Estamos na indústria para ajudar a executar algum plano singelo, bonzinho e social? Estamos na indústria para comprar a indulgência dos funcionários? Não. Estamos na indústria porque é um bom negócio.

O salário era muito bom, então era comum que amigas e parentes trabalhassem na linha de montagem. Usando pincéis finíssimos, elas precisavam molhar o pincel na tinta e delicadamente delinear os números em mostradores que variavam de tamanho. Quanto menor o relógio, mais fino tinha que ser o pincel. Mas esses pincéis costumavam ser muito grossos para o trabalho que elas deviam executar. Para que eles ficassem do tamanho correto a fim de não desperdiçar tinta e não borrar os números, essas moças, com idades que variavam entre 11 e 24 anos, molhavam o pincel na boca, depois na tinta, em seguida pintavam os numerais, em um processo que se repetia dezenas de vezes ao dia.

O que as moças não sabiam é que o componente da tinta que fazia os números brilharem no escuro podia causar danos sérios à saúde. Na Europa isso já era de conhecimento comum, mas nos Estados Unidos a indústria o vendia como um verdadeiro milagre para a saúde. Ele era o elemento queridinho da época e era usado em quase tudo, de tônicos a pastas de dentes. Era vendido como um turbinador de saúde, então havia todo tipo de produto à venda com rádio diluído nele. Parece um absurdo para nosso conhecimento atual, mas na época não se conheciam os efeitos negativos do rádio.

Os donos das fábricas nos Estados Unidos sabiam dos riscos. Quem não sabia eram as moças que ingeriam grandes quantidades de rádio todos os dias na confecção dos mostradores. O rádio tem uma natureza química semelhante a do cálcio. Quando ingerido, ele acaba se instalando nos ossos e dentes, tal como o cálcio faria. Com o tempo, os corpos dessas mulheres acumularam tanto rádio que ele impedia a absorção de cálcio. Consequentemente, os primeiros problemas foram dentários. Em um determinado caso, o dentista arrancou o dente e metade da mandíbula de uma pobre moça que foi buscar ajuda.

Havia rádio por toda a fábrica - e do lado de fora, na calçada. Trapos de tecido contaminados amontoados no ateliê ou queimados no terreno da fábrica; o lixo radioativo era despejado no vaso sanitário do banhiero masculino; os dutos de ventilação descarregavam acima de um playground infantil nos arredores. As mulheres não limpavam os sapatos antes de saírem do trabalho, então pisoteavam com rádio por toda a cidade.

O livro, revoltante por razões óbvias, acompanha a trajetória de mulheres em duas fábricas de mostradores de relógio, a USRC em Nova Jersey e a Radiant Dial em Illinois. E a autora não nos poupa de nada do sofrimento delas. Moore escreveu este livro determinada a fazer os leitores compreenderem visceralmente a dor que essas jovens mulheres viviam e a luta que tiveram que enfrentar para que seus problemas de saúde fossem reconhecidos. Até que chegassem a um diagnóstico, até mesmo sífilis foi aventado.

É horrível pensar que mesmo depois de tanto tempo, muitos trabalhadores acabem enfrentando as mesmas batalhas que suas antecessoras, convivendo com assistência médica inadequada, indenização insuficiente ou inexistente e uma proteção efetiva das empresas por meio de um sistema jurídico projetado para favorecer às corporações. O rádio matou essas jovens mulheres, mas Moore não deixa margem para dúvidas: as empresas tinham seu sangue nas mãos.

O livro está muito bem traduzido por Fernanda Lizardo e encontrei poucos problemas de revisão ou diagramação. A autora descreve os problemas médicos com detalhes, então esteja preparada para se revoltar com o que as empresas fizeram com essas mulheres.

Obra e realidade
Sabe aquele papo furado de que se o patrão não precisar pagar tantos encargos trabalhistas, os salários no geral aumentariam, que é só negociar com ele? Ou que se os direitos trabalhistas forem afrouxados, a oferta de empregos aumentará? Acho que o caso das moças envenenadas por rádio no início do século XX é uma excelente amostra de que empresários estão CAGANDO para a saúde do trabalhador.

Se não houver uma legislação forte que proteja os direitos do trabalhador, nenhuma empresa do mundo vai fazer isso pela pureza de seu coração. Empresas visam apenas o LUCRO. O bem-estar social de seus empregados não é prioridade. É justamente por casos como esses que a lei precisa proteger os trabalhadores ou eles farão o que a USRC fez nos anos 1920 ou a PG&E, que aparece em Erin Brockovich e que envenenou seus clientes durante décadas.

Kate Moore

Kate Moore é uma escritora e atriz inglesa. Formada em Literatura Inglesa pela Universidade de Warwick, escreve nos mais variados gêneros, desde não-ficção até romances, além de trabalhar como ghostwriter. Antes de ser escritora em tempo integral, foi diretora editorial da Penguin Random House do Reino Unido.

PONTOS POSITIVOS
Bem pesquisado
Bem escrito
História das leis trabalhistas nos EUA
PONTOS NEGATIVOS
Preço


Título: Radioativas
Título original em inglês: The Radium Girls: The Dark Story of America's Shining Women
Autora: Kate Moore
Tradutora: Fernanda Lizardo
Editora: DarkSide
Páginas: 448
Ano de lançamento: 2024
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Kate Moore fez uma pesquisa primorosa de um importante momento histórico, onde uma injustiça foi revertida em lei que protege ainda hoje milhares de trabalhadores nos Estados Unidos. Mesmo sabendo que estavam condenadas, elas buscaram justiça e mudaram as leis. É o tipo de história que não pode ser esquecida, precisa ser discutida e relembrada. Um filme sobre o caso está vindo por aí, já tendo sido exibido em festivais de cinema. Super recomendado e leitura obrigatória!

Até mais!

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