Resenha: Columbine, de Dave Cullen

O massacre na escola Columbine, em 1999, nunca tinha me atingido. Eu sabia o básico do básico, que dois estudantes adolescentes invadiram a escola e abriram fogo contra colegas e professores. Mas não sabia dos detalhes, nem das teorias de conspiração que a mídia ajudou a espalhar, nem mesmo da mente dos dois jovens e como eles passaram um ano se preparando para a entrarem em ação. Dave Cullen fez um trabalho brilhante neste livro, sem deixar nenhuma informação para trás. Já deixo um alerta: o livro tem passagens bastante gráficas de ferimentos e do local do tiroteio e de como estavam os corpos. Se você se impressiona fácil, tenha muita cautela ao ler esse livro.

Parceria Momentum Saga e editora DarkSide

O livro
Columbine foi fundamentalmente diferente de outros tiroteios escolares porque não pretendia ser um tiroteio de modo algum. Em primeiro lugar, foi um ataque à bomba que falhou.

Página 133

Em 20 de abril de 1999, dois estudantes da escola Columbine entraram no prédio preparados para matar e morrer. E foi um ataque planejando com bastante cuidado por cerca de um ano. Bombas incendiárias, carros-bomba, tanques de propano convertidos em bombas. Eric e Dylan tinham um plano meticuloso de como se comportar dentro da escola e de como ferir o maior número possível de pessoas. Ao contrário do que a mídia sempre alardeia em casos semelhantes, não houve bullying envolvido, nem ameaças de valentões, ou influência do videogame ou sociedades juvenis secretas.

Resenha: Columbine, de Dave Cullen

Muitos sempre se perguntam o que leva jovens (mais de 80% são homens jovens) a pegar em armas e abrir fogo contra inocentes. E enquanto a mídia, a sociedade e os políticos ficam dando voltas ao redor dos velhos culpados (bullying e videogame), outros jovens estão tendo acesso a armas, destilando ódio e se preparando para matar inocentes. Dave Cullen teve acesso ao material produzido pelos garotos, incluindo os diários pessoais de ambos. Os psiquiatras envolvidos e os especialistas em comportamento violento e tiroteios em escolas são categóricos: Eric Harris era um psicopata.

Psiquiatras relutam muito em diagnosticar psicopatia em crianças e adolescentes. Em casos de crime violentos por eles cometidos, fala-se em transtorno de conduta. Mas Eric Harris, aos 18 anos, é considerado pelos psiquiatras como um psicopata completo. Não um em desenvolvimento, não um que ainda poderia conviver em sociedade. A forma como ele mentia e fazia todo mundo acreditar, e depois e gabava disso em seu diário, a frieza e a forma como analisava as emoções dos outros para depois simulá-las, o desprezo total e completo, além da sensação de superioridade, são todos compatíveis com comportamentos de psicopatas.

Mas e Dylan? Me surpreendeu muito que em seu diário ele falasse de amor. Dylan buscava amor constantemente, desenhava corações em páginas inteiras, se declarava para a garota que ele gostava repetidas vezes. Era extremamente tímido, introvertido, e pelo o que Dave pode levantar, buscava na figura de Eric aprovação e validação. Eric foi quem mais atirou com sua arma, quem fez as bombas e quem começou a onda de crimes nos quais os dois se envolveram. Eric era tão bom em mentir e encenar que, mesmo repórteres experientes, ao virem as fitas do porão, onde os dois justificam seus atos e Eric diz sobre seu arrependimento pelo o que viria a fazer, levou os repórteres a acreditar no remorso dele. Pura encenação.

Aí muita gente - assim como eu - se pergunta: "mas como que ninguém previu que isso ia acontecer se eles se preparam por tanto tempo?". Bem, aí é que tá, a polícia tinha conhecimento de Eric e Dylan meses antes. Um dos colegas vinha sendo infernizado pelos dois garotos, seus pais acionaram a polícia diversas vezes. Eric mantinha um blog onde disse com todas as letras que queria matar todo mundo, a raça humana inteira, que estava em poder da polícia e a pasta com os arquivos ~misteriosamente~ desapareceu conforme a polícia do condado montava o inquérito. Que coisa, não?

Psicopatas imitam o remorso de modo tão convincente que as vítimas acreditam nas desculpas, mesmo em situação desastrosa.

Página 325

Foram 13 vítimas fatais, mais 21 feridos. Eric e Dylan se mataram na biblioteca depois de uma troca de tiros com a polícia. Dave intercala os capítulos com diversas visões e sentimentos. As dos assassinos, as das vítimas e seu esforço para se recuperar, de agentes da lei e do próprio Dave Cullen, que não saiu ileso dessa investigação. Tirando a mãe de Dylan, os outros pais, especialmente o casal Harris, nunca falaram com a imprensa, nunca deu entrevistas e são bastante reclusos. Obviamente que muitos se voltaram contra os pais, mas eles também foram vítimas. Cobrar deles não trará os 13 de volta, até porque eles também perderam seus filhos e não têm respostas para dar.

O livro em si está excelente, é em capa dura, com fitinha para marcar páginas. Há problemas de revisão como palavras faltando ou sobrando, o que pode deixar frases um pouco confusas. Dave Cullen descreve ferimentos com bastante precisão, então tome cuidado na leitura, pois ela me deixou mal em vários momentos. A tradução ficou na mão de Eduardo Alves e está excelente. Não há fotos de vítimas nem dos assassinos. A internet está repleta delas. Há reproduções dos diários dos garotos e só. Dave não queria espalhar ainda mais as imagens dos garotos ou de corpos de vítimas.

Obra e realidade
O crime abalou a nação e serviu de inspiração para muitos atiradores que viriam no futuro. Eric e Dylan viraram os "mártires incels" de muitos dos atiradores atuais. Os atiradores chegam a imitar as roupas e até a deixam por escrito o quanto "devem aos garotos". Acho que nada evidencia mais a profunda doença de uma sociedade do que tiroteios escolares. Apostamos nos jovens, nas crianças, o futuro de um país. As novas gerações devem substituir as mais velhas. Mas se jovens estão furiosos, perturbados, deprimidos, deixá-los se aproximar da autodestruição é o pior que poderíamos fazer.

O segundo sintoma de uma profunda doença social é que mesmo depois do que houve em Columbine e em todos os outros tiroteios que os Estados Unidos enfrentaram, NENHUMA medida contra o fácil acesso às armas foi tomada. Enquanto estados se preocupam em dificultar o acesso constitucional ao aborto seguro, com uma falsa preocupação com fetos, jovens em idade escolar estão tendo acesso a armas de fogo com uma facilidade espantosa. O próprio Dave Cullen alertou, "armar professores é a pior coisa que poderíamos fazer". Cerca de 80% dos policiais brasileiros mortos no último ano estavam com sua arma de serviço. E ela não os protegeu.

Dave Cullen explica no livro como identificar jovens com problemas, como evitar que cometam crimes, mas é mais fácil, em uma canetada, fornecer armas do que atingir o problema verdadeiro. E muito mais jovens vão morrer por causa disso, já que as autoridades não se importam.

Dave Cullen

Dave Cullen é um jornalista e escritor norte-americano. Nos últimos 20 anos vem cobrindo tiroteios em escolas, sendo hoje um dos grandes especialistas no assunto.

O tiroteio deixou o país ciente do nível inesperado de ódio e fúria escondido nas escolas.

página 301

PONTOS POSITIVOS
Análise de tiroteios em escolas
Pesquisa
Bem escrito
PONTOS NEGATIVOS
Descrições explícitas dos crimes
Problemas de revisão
Preço

Título: Columbine
Título original em inglês: Columbine
Autor: Dave Cullen
Tradutor: Eduardo Alves
Editora: DarkSide (selo Crime Scene)
Ano: 2019
Páginas: 480
Onde comprar: na Amazon ou na loja da DarkSide com brinde exclusivo!

Avaliação do MS?
Dave Cullen não deixou passar nada. Há muita informação, muita mesmo. Uma resenha não conseguiria abordar tudo o que o livro abordou. As explicações dadas por Dave me fizeram compreender o que houve em Columbine, mas também em Realengo e em Suzano, nossas tragédias escolares. Este é um documento de extrema importância para todos aqueles que queiram entender o que leva dois jovens a matar de maneira indiscriminada e, quem sabe, enxergar os diversos sinais que os levaram a cometer os crimes. Sim, todos deixam sinais, muita gente os viu, mas ninguém parou a sanha assassina. Leitura essencial, mas com cuidado para pessoas sensíveis.

Até mais.

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