Resenha: Circe, de Madeline Miller

Circe foi uma jornada intensa de crescimento, de descobrimento, de luta para encontrar seu próprio lugar no mundo. A feiticeira dA Odisseia, de Homero, foi a primeira bruxa a assombrar a literatura, uma mulher capaz de transformar os marinheiros de Ulisses em porcos. Ela surge no décimo canto de A Odisseia, vivendo isolada em uma ilha, cercada de leões e lobos. Madelinne Miller deu voz a esta mulher em um impressionante romance.

Parceria Momentum Saga e editora planeta

O livro
Bruxas são mulheres cujos poderes os homens não conseguem controlar.

Madeline Miller

Personagens mitológicas femininas costumam carecer de complexidade, de profundidade, de algo mais do que apenas uma simples aparição. Por isso muitos mitos surgem ao redor de uma figura feminina, basta ver o que foi feito com Cleópatra. Circe ganhou a profundidade necessária pelas mãos de Madeline. Circe é filha de Hélio, titã que representa o sol e da ninfa Perseis. Mas Circe não é uma filha querida. Ao contrário, a corte e seus pais a ignoram e a menina vive aos cantos do palácio. Por serem todos imortais, a vida nessa corte pode ser cruel. Quando se tem todo o tempo do mundo, coisas banais de uma vida mortal não existem.

Resenha: Circe, de Madeline Miller

Uma das primeiras coisas que senti lendo Circe foi uma profunda tristeza na personagem que só é dissipada, ainda que não completamente, quando ela se descobre uma feiticeira, quando lida com sua horta, misturando e fervendo poções, apreciando a beleza da natureza, tendo a companhia de leoas e lobos. No resto do tempo, Circe é triste, vazia, sempre pelos cantos, passando despercebida. As poucas conexões que ela faz com outros deuses, titãs ou ninfas são superficiais. Imagine viver séculos desta forma? Os mortais ainda têm o alento da morte, pois assim podem viver uma vida plena, buscando aproveitá-la ao máximo. E Circe?

Os deuses e titãs são sim poderosos, e também são fúteis, que adoram submeter os mortais às maiores provações para mantê-loes fiéis às divindades. A crueldade estendida a Prometeus, que roubou o fogo e deu aos humanos, levou Circe, ainda criança, a perceber que seu mundo era muito mais selvagem do que o ouro, os tecidos finos e a comida farta faziam parecer. É só quando ela descobre que tem o poder de manipular ervas e dela criar poções e feitiços que Circe percebe que os deuses a temem e assim ela é exilada. Achando que seu pai a defenderá, é ele quem a leva para a ilha de Eana e lá a deixa sozinha, impossibilitada de deixar seu reduto.

O que poderia causar medo a um deus? Eu sabia a resposta para isso também.

Um poder maior que o deles.

Página 45

A narrativa de Madeline pode incomodar em alguns momentos, pois é densa, e você pode achar um pouco devagar em alguns momentos, tanto que senti a mesma coisa na leitura de A Canção de Aquiles. É uma característica da autora, apenas isso e pode incomodar mais a uns do que a outros. Isso não se reflete na evolução de Circe ou dos personagens ao redor, porém. Eles foram bem construídos, alguns de maneira irritante. Você reconhecerá vários nomes da mitologia grega pelas páginas como Dédalo, Atena, Ícaro, Ulisses, o Minotauro, Penélope, e Circe é, sem dúvida, aquela melhor desenvolvida, já que esta é a sua história. Aquela divindade tímida, triste, se torna uma feiticeira poderosa, que ainda cometerá erros, como confiar demais nas pessoas.

Quem lembra da mitologia deve lembrar dos caprichos dos deuses e aqui não é diferente. Daqueles que aparecem ao longo do livro, todos eles são volúveis, irritadiços, seguros de que são superiores aos meros mortais. Fazem da vida deles um inferno apenas para exigir obediência. Sente-se também a rivalidade entre titãs e deuses, algo que não teve maior desenvolvimento no livro, uma pena.

A edição da Planeta Minotauro está linda com essa capa em detalhes dourados e decoração grega pelas páginas internas, inclusive a fonte da numeração. A tradução foi de Isadora Próspero e está excelente. Não encontrei problemas de revisão, tradução ou diagramação.


Ficção e realidade
Podemos traçar muitos paralelos entre a história de Circe com a nossa, mulheres mortais e de vida finita. Não importava o poder que ela tivesse, Circe nunca estava totalmente segura, estava sempre ao alcance daqueles que tinham más intenções. Ela se sentia presa pela divindade que nunca pediu ter, pelo peso do nome de seu pai, Hélio, nunca sendo dona de sua vida, de seu destino, como uma folha tendo que seguir rio abaixo pela correnteza. São muitas as discussões que podemos fazer em Circe, desde os desafios da maternidade, depressão, vida em família, solidão. Ver uma personagem mitológica tão bem representada só nos faz querer mais livros como esse.

Madeline disse que as bruxas são mulheres cujos poderes os homens não conseguem controlar. Por isso são temidas, combatidas, sua imagem distorcida para parecer uma mulher velha, feia, por quem ninguém se interessaria. É preciso combatê-las e colocá-las em seu devido lugar, tal como fizeram com Circe, tal como fazem com as mulheres mortais cada vez que somos silenciadas e impedidas de falar ou fazer o que quisermos.

Madeline Miller

Madeline Miller é uma escritora norte-americana, cujo romance de estreia foi A Canção de Aquiles. Miller passou dez anos escrevendo o livro enquanto trabalhava como professora de latim e grego. Circe é seu segundo livro.

Pontos positivos
Circe
Personagens da mitologia
Construção de mundo
Pontos negativos

Pode ser lento em algumas partes.


Título: Circe
Título original: Circe
Autora: Madeline Miller
Tradutor: Isadora Prospero
Editora: Planeta (selo Minotauro)
Ano: 2019
Páginas: 368
Onde comprar: Amazon!

Avaliação do MS?
Foi uma longa e proveitosa jornada, com seus momentos de tristeza e ódio, de felicidade e magia. Adoro livros que reconstruam personagens e lhe tragam contornos mais próximos do humano. Circe foi uma feiticeira, uma deusa, mas que viveu o mais plenamente que pode, algo que todas nós queremos. Quatro aliens para o livro e uma forte indicação para você ler também!

MUITO BOM!

Θα σας δω σύντομα!

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