Resenha: Um estudo em Charlotte, de Brittany Cavallaro

Sherlock Holmes e suas audaciosas investigações ao lado de seu fiel escudeiro, Dr. Watson, ainda encantam leitoras e leitores, inclusive Brittany, que sempre foi encantada pelos livros de Arthur Conan Doyle. Isso a inspirou a criar um enredo adolescente com descendentes dos lendários investigadores, que se veem no meio de uma conspiração e assassinato que exigirá toda a sua astúcia e inteligência.

Parceria Momentum Saga e editora Rocco

O livro
Jamie Watson é enviado para estudar nos Estados Unidos, em um internato. Sem entender direito como a família pode se livrar dele tão rápido, ele se sente deslocado na nova escola e tem dificuldade de fazer amigos, além de ter uma bolsa de estudos para rúgbi sendo um jogador bem mediano. Watson é descendente do lendário Doutor Watson, parceiro de Sherlock Holmes em diversas investigações e casos obscuros e fantasia desde sempre em conhecer e trabalhar com Charlotte Holmes, a mais nova da lendária família de investigadores.

Resenha: Um estudo em Charlotte, de Brittany Cavallaro

A primeira crítica começa aqui: um garoto que só conhece a fama de duas famílias que trabalharam juntas um século atrás e que idealiza uma garota que ele não conhece. Tanto que ele se mete em briga por causa dela, achando que deve defender sua honra. Sério, foi absolutamente desnecessário colocar um garoto deslumbrado desse jeito. Podia ter sido um encontro e um relacionamento totalmente diferentes. Eles poderiam ser simples estudantes que topam sem querer com um crime e que começam a investigar, sem a pressão do sobrenome.

Deixo aqui também um aviso de gatilho para estupro e uso e abuso de drogas. Sabemos que Sherlock costumava usar opiáceos quando estava em alguma investigação que cobrava muito dele e Charlotte segue o mesmo destino. Achei desnecessário a autora usar a ferramenta do estupro em cima da personagem que, por mais insuportável que seja, não merecia passar por isso, até porque foi completa e totalmente irrelevante para a narrativa. Se a tentativa era de fazer a gente sentir pena da personagem, infelizmente, não funcionou.

Além disso, Brittany realmente não inova ao fazer de Charlotte e Jamie cópias de seus antepassados e cópias ruins. O mundo mudou, estamos no século XXI, os personagens podiam ter as melhores características e adaptado seus defeitos para este novo momento. Jamie, por exemplo, peca pela falta de qualidades e olha que ele é o narrador e ainda assim consegue passar poucas qualidades para quem está lendo. E este também é um grave problema para que possamos conhecer Charlotte, porque tudo é visto pelo olhar deslumbrado de Jamie, que aceita os abusos de Charlotte sem pestanejar. Chegou uma hora que isso deu no saco.

O comportamento de Charlotte e a forma como ela agia com Jamie segue o padrão de Holmes-Watson, mas não convenceu e não colou justamente porque a sociedade e o mundo evoluíram muito nos últimos cem anos. O fato de ela praticamente não comer é outro problema, como Holmes, e foi frustrante ninguém tocar no assunto de bulimia e anorexia, o que seria uma discussão excelente por se tratar de um livro juvenil. Ela usou cocaína, é viciada em oxicodona e é tido como um traço da personalidade dela e não uma doença que precisa de tratamento... Em um determinado momento eu só queria que eles pegassem o assassino e agressor de dois colegas do campus para que o livro acabasse logo.

Eu matei logo a charada sobre a identidade do criminoso, então o final perdeu um pouco da graça e pior, o criminoso cai no clichê clássico do vilão explicando todo o seu plano maquiavélico para os heróis antes que tudo dê errado para ele e uma reviravolta aconteça. Houve uma tentativa da autora de forçar um romance entre Holmes e Watson que me irritou muito, pois parece que homens e mulheres não podem ser amigos em lugar nenhum, nem mesmo nos universos ficcionais.

Esses Holmes, eles são esquisitos. Eles ainda treinam os filhos desde que nascem em habilidades de dedução. Desencorajam eles a fazer amigos ou pelo menos foi o que ouvi. Não posso dizer que seja saudável manter uma criança isolada.

Página 19

Há discussões interessantes sobre a inadequação que a gente sente quando é adolescente, a dificuldade de fazer amigos numa cidade nova, os problemas familiares e como os pais podem errar, mesmo querendo o bem dos filhos. Essa discussão, pelo menos, ficou bem feita. A família Watson é muito mais palatável e normal do que a família Holmes e há menções à família Moriarty, inimiga mortal dos Holmes e que volta para o segundo livro.

A tradução de Maryanne Linz está muito boa, com linguajar adolescente que deixa a gente bem inserido nas discussões dos alunos da escola onde a ação basicamente acontece. Não encontrei muitos problemas de revisão ou diagramação durante a leitura.

Obra e realidade
O problema de a gente tentar homenagear personagens que amamos é copiar os trejeitos e a personalidade deles e colocar numa nova roupagem, achando que vai conseguir trazer algo de novo para ele. Não vai. Não só não vai como vai ficar ofensivo e vazio, como Charlotte ficou. Ela é uma cópia exata de Sherlock, fazendo as mesmas pausas para deduções e frases inteligentes, as mesmas observações que, pelos olhos de Sherlock, pareciam perspicazes, mas que com a voz de Charlotte parecem mecânicas e forçadas com o adicional de ter sido estuprada, fato que de nada serve para a narrativa. Na tentativa de mirar na representatividade para a personagem, Brittany acertou na caricatura mal feita.

Brittany Cavallaro

Brittany Cavallaro é uma escritora norte-americana de romances juvenis e poesias, tendo ensinado literatura e escrita criativa por vários anos.

Pontos positivos
Jamie
Família Watson

Pontos negativos
Charlotte Holmes
Drogas
Estupro

Título: Um estudo em Charlotte
Título original em inglês: A Study in Charlotte
Série Charlotte Holmes
1. Um Estudo em Charlotte
2. The Last of August
3. The Case for Jamie
4. A Question of Holmes
Autora: Brittany Cavallaro
Tradutora: Maryanne Linz
Editora: Rocco (selo Jovens Leitores)
Páginas: 384
Ano de lançamento: 2019
Onde comprar: na Amazon

Avaliação do MS?
Uma pena. Eu comprei a ideia de uma garota descendente de Sherlock Holmes e estava animada para acompanhar essa jornada, mas apenas me irritei. Não sei se me animo para ler o segundo, mesmo sabendo que muitas séries melhoram muito depois do primeiro livro. Talvez a obra sirva para apresentar os personagens de Arthur Conan Doyle ao público juvenil, mas para o público adulto ela vai ficar devendo. Três aliens.


Até mais!


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