Resenha: Ciência e Pseudociência, de Ronaldo Pilati

Se você usa WhatsApp já deve ter recebido mensagens no grupo da família falando do "vírus do feijão", ou que a prima da vizinha do tio do cunhado da dona do mercado morreu depois de tomar a vacina da febre amarela. Provavelmente foi ver algum vídeo no YouTube e na barra de indicações surgiu o canal do "terraplanista", defendendo que a Terra não é uma esfera e que há uma conspiração global por trás disso ou que a Austrália não existe e que australianos não são seres humanos, e sim criaturas geradas por computador. Dá a impressão que a humanidade enlouqueceu, não é?



Este livro foi uma cortesia da Editora Contexto


O livro
O subtítulo do livro traz um desafio para a mente mais racional: por que acreditamos apenas naquilo em que queremos acreditar. E por mais racional que você seja hoje, em algum momento lá trás você confiou no horóscopo ou fez uma simpatia para emagrecer, tomou água com açúcar para se acalmar. Existem toneladas de crendices cotidianas que não fazem mal, mas existem aquelas que estão trazendo severos prejuízos para a ciência e para a vida das pessoas.


Obras que questionem e expliquem os caminhos mentais que fazem as pessoas acreditarem na pseudociência são poucos e a maioria é de autores estrangeiros traduzidos para o português. Neste livro, por sua vez, temos um psicólogo brasileiro, professor Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), tentando nos mostrar como a pseudociência vem tomando o lugar da ciência e contribuindo para a desinformação. Não é apenas uma questão de espalhar o boato no WhatsApp, é de crer nele.

E como a mente faz isso? Aliás, por que? Uma pseudociência pode fornecer uma resposta definitiva que a ciência não consegue dar, porque é da estrutura da ciência ser capaz de se regular, de apontar falhas, de refutar ou aceitar hipóteses. Se você recebe uma notícia de que o ozônio cura câncer, AIDS e reumatismo, é aí que tem que entrar o ceticismo e a dúvida. Mas é justamente na busca por respostas definitivas que tantas pessoas caem em contos como este. Nosso cérebro não lida bem com incertezas e pode ser inflexível em várias situações, vindo daí a dificuldade que muita gente tem de entender a ciência.

Crenças infalíveis são aquelas que, por sua natureza ou estrutura argumentativa, não são possíveis de serem consideradas falsas.

Página 15

Os capítulos introdutórios podem ser meio lentos, mas são necessários para compreender os mecanismos que tornam as pessoas suscetíveis a acreditar em pseudociência. Admito que eles foram uma leitura longa por toda a argumentação, porém vale à pena especialmente pelos exemplos usados para explicar tais mecanismos. A partir daí a leitura flui muito melhor. Um dos pontos pertinentes que o autor trata é sobre o ceticismo e de como ele deve ser equilibrado. Muito ceticismo te impede de entrar em contato com outras ideias, mas ceticismo de menos te impede de distinguir as ideias úteis das inúteis.

Outro ponto: a forma como as pessoas compreendem (ou incompreendem) a ciência é o que leve tantos a acreditar em cada bobagem que aparece na tela de seu celular. E não precisa ir muito longe: abra qualquer post contendo uma nota sobre a ciência no Facebook que você verá dezenas de comentários dando risada, dizendo que ciência é inútil, que os cientistas "não se decidem", que eles deveriam investir dinheiro em outras áreas, como se ciência não tivesse algo a ver com suas vidas. Justamente por não entender o processo científico a pessoa acha que ela não serve para nada.

(...) se a visão que se tem da ciência for cheia daquela separação (banco escolar, coisas chatas da vida profissional, etc.), então não há como se ver a beleza por trás da descoberta e da compreensão científica.

Página 27

Valendo-se de casos recentes, como a pílula do câncer e usando Carl Sagan, Cosmos entre outros nomes modernos, a obra pode ser acessível para as pessoas que não são exatamente da área, mas pode ser de difícil compreensão, como nos capítulos introdutórios. Ainda assim, é uma ótima adição à bibliografia brasileira sobre o assunto. A edição da Contexto está muito boa, só não gostei muito da qualidade do papel e não é uma boa usar lápis ou lapiseira para escrever sobre ele.

Obra e realidade
Eu estava no meio do meu mestrado quando um amigo da minha mãe veio nos visitar e perguntou o que eu estudava, dizendo que se admirava das pessoas que "gostavam de estudar". Quando disse que era paleontologia, ele logo perguntou: mas será que isso é verdade?, porque isso não tá na Bíblia. Bem, o smartphone dele de última geração na época também não está na Bíblia e nem por isso ele deixa de usar, certo?

Professor Ronaldo Pilati

Este livro chegou em um bom momento, onde tem gente acusando a educação pública de ser doutrinadora, de gente que diz "não acreditar em vacinas" (isso não é questão de crença), gente que diz que a NASA manipula todas as imagens do planeta, que na verdade é chato feito uma panqueca. Não vejo como essa situação pode melhorar, sendo que já temos casos de coqueluche, sarampo e o medo da volta da poliomielite depois que uma onda de boatos espalhou pelo país que vacinas fazem mal.

Pontos positivos
Autor nacional
Exemplos modernos
Bem escrito
Pontos negativos

Pode ser meio devagar
É curto

Título: Ciência e Pseudociência - Por que acreditamos naquilo em que queremos acreditar
Autor: Ronaldo Pilati
Editora: Contexto
Páginas: 160
Ano de lançamento: 2018
Onde comprar: Amazon

Avaliação do MS?
Este seria um livro ótimo a se usar no primeiro ano de qualquer curso universitário. Dá para usar os exemplos no ensino médio e dialogar com a turma que deveria ter experimentação e mais contato com a ciência do que possuem no ensino público. Somente com o bom ensino da ciência e a compreensão de como ela funciona que as pessoas vão conseguir diferenciar as informações que recebem. Essa é uma mudança urgente a ser feita antes que tenhamos pulmões de ferro voltando dos anos 1940. Leitura mais que recomendada, é leitura obrigatória.

Até mais! 🔬

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