Resenha: Anacrônico, de Antony Magalhães

Anacrônico pode parecer uma obra distante da nossa realidade, mas não se engane: ela está logo ali, nos comentários racistas, na escravidão que nunca deixou de existir, na opressão. Em um Brasil futurista que precisou se reerguer dos escombros, a sociedade se voltou para a escravidão. Mas nem todos estão confortáveis com esta situação.



Este livro foi uma cortesia do autor


O livro
Maria é uma jovem escrava, comprada ainda criança por uma poderosa família. Este é um Brasil do pós-guerra. O meio ambiente foi severamente alterado, as cidades são protegidas por domos, o ar é tóxico e a escravidão é um negócio bastante lucrativo. Dividido em 23 biópolis, você não pode trocar de cidade, até porque não se pode respirar lá fora. O Brasil ficou neutro quando a Terceira Guerra Mundial começou e optou por se isolar. Isso não impediu uma invasão de outros países sul-americanos, que começasse a faltar recursos básicos.


É neste mundo que mora a protagonista, Maria. Ela foi comprada por um preço bem baixo, por não ter um braço e pertence à uma das maiores e mais poderosas famílias da biópolis 17. Neste mundo, tanto brancos quanto negros podem ser escravizados e um escravo nunca pode ser liberto, pode apenas ser comprado e revendido. Mas os donos têm poderes sobre a vida e a morte de seus escravos. Logo no começo do livro uma delas é morta por ter se recusado a ter relações sexuais com ele. Parece familiar com feminicídios atuais?

Maria não tem sobrenome. Não ganhou um como os outros escravos. Ela é quase da família.

Página 21

O povo tem acesso aos pulsos, que são drogas que controlam o comportamento e as emoções. O governo tem total controle da mídia, da internet, dos livros e faz alterações neles se achar necessário. É censura sobre censura e Maria decide não se acomodar, não se conformar com este cenário. Ela quer decidir sobre sua vida, seu corpo e sua própria história. E essa é uma mensagem extremamente poderosa.

O livro tem vários extras legais para complementar a leitura. Logo no começo tem um mapa e uma linha temporal de todos os eventos que levaram a este Brasil distópico. Há também QR codes para você ler com o seu celular e dá até para ouvir o hino nacional desta nova nação. Além disso ele tem ilustrações em preto e branco, de autoria de Nate Baima, retratando momentos chave do enredo.

Enquanto a construção de mundo foi bem detalhista, alguns personagens me pareceram meio vazios. Esperava um pouco mais de reação deles, mas adorei a protagonista, seu simbolismo e a crítica feroz que Antony faz ao Brasil atual. A narrativa perde um pouco de ritmo algumas vezes pelo excesso de detalhes, entretanto a leitura consegue correr sem grandes tropeços.

Meu grande problema com o livro foi a arte usada nas páginas de textos. Não sei o que é aquilo, se é uma ilustração ou se foi para dar um ar "sujo" devido ao enredo, mas a vista cansou e cansou muito. Eu lia meia dúzia de páginas e parava. Se eu que não tenho nenhum problema de vista, imagino que tenha. A qualidade das páginas é ótima, bem como das ilustrações. Luva está de parabéns pelo acabamento. Apenas tire essa impressões nos textos nas próximas edições!


Ficção e realidade
Antony Magalhães tem 24 anos, é escritor, jornalista e roteirista e mora no Mato Grosso do Sul. Por não se ver representando em nenhum livro, mesmo sendo um leitor voraz, sempre soube a respeito da importância da representatividade e da diversidade. E ele então percorreu o caminho de muitos escritores independentes: passou a escrever sobre o que ele queria ver, ser e sentir.

Antony Magalhães

Leia a entrevista do autor no blog Tomo Literário.

Pontos positivos
Maria
Brasil distópico
Ilustrado
Pontos negativos

Páginas com impressões
Pode ser lento em algumas partes

Título: Anacrônico
Autor: Antony Magalhães
Ilustrador: Nate Baima
Editora: Luva
Páginas: 224
Ano de lançamento: 2017
Onde comprar: minha edição é a física, mas você pode comprar o ebook na Amazon


Avaliação do MS?
Mesmo com os problemas da edição, o livro é uma grande adição para a literatura de ficção científica e distopia brasileira. Maria, assim como diz Antony na abertura do livro, representa diversas Marias brasileiras que lutam pelo pão de cada dia, que lutam por um mundo melhor, que lutam para serem protagonistas de suas próprias histórias. Quatro aliens para Anacrônico e uma forte recomendação para você ler também.


Até mais!

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Comentários

  1. Tô MUITO feliz com a resenha. Agradeço demais. Seu blog é minha principal fonte de informações sobre FC. Costumo recomendar e dizer que aprendi muito lendo seus textos. Não sei se pode soar exagerado ou não, mas é verdade. Aprendi muito sobre construção de personagens por meio das suas resenhas. Com seus textos percebi muitos erros que cometia e que passei a evitar. Ainda tem umas coisinhas que me incomodam em Anacrônico e que quero dar uma mudada na segunda edição e fico extremamente feliz com sua resenha.

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    1. Eu é que agradeço, Antony. Agradeço demais! E muito obrigada por este livro. É uma grande adição à ficção científica brasileira.💙

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  2. Eu nem li a resenha toda, mas quando soube que o autor era negro já tava comprando a obra. Sei que nem toda representatividade é representativa, mas não evitei o impulso. Distopia com a perspectiva negra me interessam muito.

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