Resenha: Leonardo da Vinci, de Walter Isaacson

Sabe aquele livro que você sai indicando para todo mundo, por que ele é maravilhoso, tudo de bom, salve-salve? É o meu caso de amor do momento, com a biografia de Leonardo da Vinci. Considerado um dos grandes gênios da história, interessado em múltiplas áreas, a vida de Leonardo é conturbada, fascinante, curiosa e determinada. Uma história que vale à pena ser conhecida e desmistificada.

Este livro foi uma cortesia da Editora Intrínseca

O livro
Se fazer biografias de pessoas vivas e contemporâneas já é difícil, gera polêmicas e tal, imagine fazer a biografia de alguém que morreu em 1519? São quase 500 anos de floreios, invencionices, biografias de segunda mão, contos e causos que podem - e certamente foram - exagerados. Ainda assim, Walter Isaacson conseguiu criar uma obra que não apenas cativa, como destrói vários mitos a respeito de Leonardo.

Resenha: Leonardo da Vinci, de Walter Isaacson

Filho bastardo de um tabelião, é interessante notar que Leonardo deve ter tido sorte justamente por ser ilegítimo. Se fosse reconhecido pelo pai é provável que não tivesse se tornado o gênio que foi; ele teria que se tornar tabelião, tal como seu pai. Com o crescimento da economia mercantil na Itália, tabeliães eram importantes para legitimar acordos, vendas e testamentos, entre outros documentos jurídicos. Sua mãe, Caterina, era uma camponesa órfã da vila de Vinci, 30km de Florença, com quem o pai de Leonardo, Piero, teve um relacionamento.

O fato de ser ilegítimo permitia que jovens rebeldes, de espírito livre como Leonardo, não ficassem presos às restrições da família, suas tradições e picuinhas. O status dos bastardos era um tanto ambíguo, sendo e ao mesmo tempo não sendo parte da família, tanto que ele não estava no testamento do pai quando este morreu. Outra coisa que pode contar para o gênio e intelecto de Leonardo: ele não teve educação formal. Esperava-se que os jovens fossem à escola para aprender latim, os clássicos, um pouco de matemática, mas nosso amigo Leo foi praticamente autodidata em tudo. Por não ser muito bom de cálculo, ele desenhava, pois isso o ajudava a pensar.

Quando tive história da arte nas aulas do colégio, a professora contava que Leonardo escrevia de maneira espelhada para manter seus escritos em segredo. Na verdade ele escrevia assim para não borrar a tinta no papel, já que papel era um artigo bem caro. Ainda assim, Leonardo lotou milhares de páginas com desenhos que iam de tudo: esboços para pinturas, máquinas voadoras, equipamentos de guerra, lições de latim, mapas, estudo de sombras, movimento da água, desvio de rios, tudo o que você possa imaginar que interessasse à uma pessoa.

Outro mito que foi pulverizado: a professora também contava que ele era um "artista incansável". Bem, ele certamente era um artista, mas procrastinava tanto em suas obras que, incomodado com a demora para concluir A Última Ceia, o prior da igreja foi chiar na orelha de Ludovico Sforza, que era seu patrono. Leonardo se defendeu:

Homens de intelecto elevado às vezes obtêm seus maiores avanços quando trabalham menos (...) uma vez que suas mentes então se ocupam com suas ideias e com o aperfeiçoamento dos conceitos aos quais mais tarde darão forma.

Página 306

A própria Mona Lisa, a grande obra de arte universal, estava em seu estúdio quando Leonardo morreu; ele não a entregou ao patrono. Sei que a maioria das pessoas que ouve sobre Leonardo da Vinci pensa nesta obra, mas muito me espantou as conclusões que ele chegou sobre uma variedade imensa de coisas. Por exemplo, ele corretamente presumiu que mudanças na crosta terrestre tinham dado origem às montanhas. Ele gastou 3500 palavras para descrever fósseis e, acertadamente, não os atribuiu ao dilúvio. Tudo isso cerca de 200 anos antes de os primeiros estudos paleontológicos serem começados.

No final do livro, o autor ainda deixa um capítulo fantástico sobre algumas coisas que poderíamos aprender com Leonardo. Inclusive seria algo a se aplicar na educação de crianças e jovens como, por exemplo, o de buscar o saber apenas pelo prazer de saber. É por isso que seus cadernos estão lotados de coisas que parecem não ter ligação, ele queria saber. Precursor dos experimentos científicos e do pensamento crítico, quando ele tinha uma ideia, não descansava até testá-la. E se a experiência se mostrava errada, ele a abandonava e elaborava outra. É assim que a ciência é feita.

Se quisermos ser mais parecidos com Leonardo, não podemos ter medo de mudar de ideia conforme novas informações vão surgindo.

Página 553

A edição da Intrínseca está linda. Ilustrado e colorido, o livro tem mais de 630 páginas, mas a leitura passa voando. A qualidade das imagens também está ótima, trazendo detalhes que nunca antes pensei em observar, como o turbilhão criado pela água ao cair em um copo ou o funcionamento da língua do pica-pau. Você terá muitos detalhes sobre suas obras, mas também de sua vida, seus amantes, a falta de grana e sua incansável curiosidade.


Obra e realidade
Walter Isaacson adora escrever biografias. Já fez as de Steve Jobs, Einstein e ele chega a comentar no livro que Leonardo e Jobs tinham semelhanças, algo que mentes geniais possuem, como a de buscar a perfeição ao invés de apenas o bom, de ver o invisível. Jobs, por exemplo, postergou a liberação do Macintosh original até que sua equipe conseguisse fazer com que as placas de circuito internas ficassem bonitas, mesmo que ninguém fosse vê-las.

Sempre corremos o risco de criar uma mitologia floreada sobre as pessoas, preenchendo com nossas expectativas as lacunas históricas que ficam. Mesmo com pessoas vivas, contemporâneas, é um perigo fazer isso. Mas o que senti da leitura é que Walter possui uma reverente admiração pela pessoa que Leonardo foi; não apenas o artista, não apenas o gênio iletrado e autodidata, a pessoa. Que procrastinou e floreou suas habilidades para Ludovico Sforza, que não aceitava qualquer comissão, que dava uma pincelada nA Última Ceia e se mandava da igreja.

Walter Isaacson com Leonardo, arte de Elizabeth Brockway, para o The Daily Beast

Walter Isaacson é um jornalista, biógrafo e escritor norte-americano. Já foi presidente e diretor executivo do Instituto Aspen e da CNN, além de editor da revista Time.

Pontos positivos
Ilustrado
É a biografia de Leonardo da Vinci
Bem pesquisado e bem escrito
Pontos negativos

Pode ser meio lento em algumas partes

Título: Leonardo da Vinci
Título original: Leonardo da Vinci
Autor: Walter Isaacson
Tradutor: André Czarnobai
Editora: Intrínseca
Páginas: 634
Ano de lançamento: 2017
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Já posso considerar este livro como sendo um dos melhores que já li na vida. Até ler o que está nestas páginas eu não conseguia compreender o frisson sobre a Mona Lisa, nem poderia imaginar que Leonardo tinha interesses tão diversos. Curioso, inquieto, arrojado e à frente do seu tempo em, pelo menos, uns 200 anos, se você também tem essa inquietação de querer descobrir as coisas, vai se identificar muito com essa leitura. Livro obrigatório para você.

Até mais! ❤

Talento é acertar um alvo que ninguém acerta. Genialidade é acertar um alvo que ninguém vê.

Arthur Schopenhauer

Já que você chegou aqui...

Comentários

  1. Esse texto e o anticast sobre o livro me deixaram com tanta vontade de lê-lo (olha o monóculo!) que acho que até vou passar ele na frente aqui na minha pilha...rsrsrs

    PS: Aliás, estou sentindo falta de você nos podcasts. Até o Holodeck está parado!

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    Respostas
    1. O Holodeck parado é culpa do Marcelo, você tem meu total apoio de ir reclamar na orelha dele!

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