Resenha: Piquenique na Estrada, de Arkádi e Boris Strugátski

Piquenique na Estrada é um dos grandes clássicos da ficção científica. Enfrentando diversos percalços em sua terra natal devido à censura, o livro alçou o nome dos autores no cenário internacional com seu enredo de primeiro contato extraterrestre um tanto diferente.

Este é um livro do Desafio Literário 2018!

Este livro foi uma cortesia da Editora Aleph

O livro
Apesar de falar de um primeiro contato alienígena, nós não sabemos como foi. Não temos a visão daqueles dias em que as naves pousaram, a reação das pessoas, as decisões das autoridades. Não temos uma descrição de suas naves, nem se os alienígenas foram vistos, nós temos apenas o depois. E é um depois em um recorte bem pequeno, que é de uma cidade fictícia, pois os autores não estipulam a localização de seu enredo.

Resenha: Piquenique na Estrada, de Arkádi e Boris Strugátski

O que temos é uma total incompreensão da visita e do propósito deles aqui. Nos locais onde suas naves pousaram, todo tipo de tralha e coisas estranhas ficaram espalhadas, algumas delas mortais, que são disputadas por aventureiros imprudentes que fazem a vida coletando e vendendo os artefatos. Um deles é Redrick "Red" Schuhart, o protagonista, um mala, que gosta de resolver muitas coisas com os punhos, até mesmo batendo em mulher. Os artefatos ficam em áreas chamadas de Zonas, que mesmo sendo estudadas pelos governos com afinco por todos aqueles anos, ainda são um mistério.

Com a Zona é assim: voltou com mercadoria, milagre; voltou vivo, sorte; foi ferido à bala pela patrulha, que bênção; e o resto é destino...

Página 37

Não há como saber o que são aquelas coisas deixadas lá. E é aqui que entra a questão do "piquenique na estrada", como um dos personagens acaba por explicar a outro em um determinado momento. Pense que uma família chega a um local de piquenique, estende a toalha, serve a comida, coloca o suco em copinhos de plástico, levanta acampamento e vai embora deixando seus resíduos. Então pense em formigas curiosas passando por cima do prato descartável, do guardanapo amassado, dos restos de comida. Quem sabe alguém deixou cair uma cápsula de remédio. Sim, nós seríamos as formigas se transportarmos o piquenique para o enredo.

Como saber se não estamos batendo em pregos com microscópios? Como saber se o que foi deixado para trás terá algum uso? Como as formigas curiosas que somos, é capaz que nunca saibamos o real propósito para a maioria dos artefatos por ali deixados. Red faz do contrabando de artefatos seu ganha-pão e o livro é quase todo ele centrado em várias fases da vida de Red.

Quem está acostumada com uma literatura traduzida do inglês pode estranhar a narrativa russa, assim como estranhei Nós, de Zamiátin. A estranheza não chega a atrapalhar a leitura em si, pois percebemos logo o tom irônico e satírico que o enredo assume, alfinetando a burocracia soviética e a própria instituição do regime, que parece perfeita por fora, mas por dentro é só ladeira abaixo. Há uma forma irônica presente em vários momentos de retratar o trabalhador comum que não é soviético.

A edição da Aleph está um primor. Capa dura com um lindo trabalho gráfico interno e uma obra traduzida diretamente do russo. Não encontrei grandes problemas de revisão, um outro erro de digitação que não atrapalham a leitura. Quanto à parte feminina do enredo, você pode tirar todas as mulheres, que o enredo se sustenta e há uma cena de agressão à uma personagem feminina, claramente colocada ali como bibelô, descrita de maneira sensual pelos autores. Revirei os olhos diversas vezes com a insistência em detalhar o corpo da moça.

Há também um prefácio escrito por nossa querida Ursula K. Le Guin e um posfácio escrito por Boris que conta a longa jornada para a publicação do livro na União Soviética.

Não havia nada na Zona para seres humanos. Nada de bom poderia vir dela.

Página 91

Obra e realidade
O que é mais perturbador em Piquenique é perceber que não somos tão especiais quanto achamos que seríamos. A ficção científica tem uma longa tradição de contatos benéficos ou não, mas onde é possível entender as intenções do outro sem tanta dificuldade. Mas tanto Solaris quanto Piquenique nos forçam a mudar de visão: e se o que estiver lá fora for estranho demais, alucinante demais, bizarro demais para a nossa compreensão? O que formigas como nós podemos fazer com um copo de isopor alienígena?

A simultaneidade de civilizações é algo corriqueiro na FC. Vemos Star Trek e Star Wars estabelecendo relações com raças que parecem estar no mesmo nível tecnológico que nós. Mas vamos fazer o exercício na realidade. Vamos voltar apenas mil anos no passado. Pense que uma nave alienígena dê uma passadinha pela terra em 1018. Os aliens ficariam sabendo que Canuto, o Grande tornou-se rei da Dinamarca sucedendo ao seu irmão Haroldo II. Mesmo que seja pouco tempo, apenas 100 anos atrás, em 1918, ainda seríamos considerados primitivos para uma espécie capaz de voo estelar. Perceber que não somos tão importantes assim é bem perturbador.

Arkádi e Boris Strugátski

Arkádi e Boris Strugátski foram escritores russos de ficção científica que escreveram em parceria a maior parte de seus livros.

Pontos positivos
Visita alienígena
Zonas e artefatos
Questionamentos
Pontos negativos
Red
Mulheres estereotipadas
Final em aberto

Título: Piquenique na Estrada
Título original russo: Пикник на обочине
Autores: Arkádi e Boris Strugátski
Tradutora: Tatiana Larkina
Editora: Aleph
Ano: 2017
Páginas: 320
Onde comprar: na Amazon!



Avaliação do MS?
Se ignorarmos os personagens e suas babaquices, o livro nos deixa uma pergunta. Nem é a se há vida fora da Terra, se seremos visitados um dia por alienígenas. Mas sim se podemos suportar o fato de que não somos tão importantes assim. Essa é uma questão que nos atormenta há milênios. Copérnico já nos tirou do centro do universo, Darwin nos tirou de Sua imagem e semelhança e a raça humana ainda está perdida no meio disso tudo. Se você quiser ficar com essa dúvida também, sugiro que leia Piquenique na Estrada. Quatro aliens para o livro uma forte sugestão para você ler também.


Até mais!

Já que você chegou aqui...

Comentários

  1. Estava querendo ler esse livro desde que vi Stalker! Legal saber que agora há no Brasil.

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  2. Olha, gostei muito da sua resenha! (na verdade, adoro quando fazes resenhas tanto de livros quanto de filmes, consegues despertar a curiosidade prá valer!)
    Se conseguir encontrar este livro, irei ler com certeza.
    Abraços!

    Marina Carla- Devaneios e Desvarios

    Meu Twitter

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  3. Concordo completamente com vc,Red é um personagem muito fdp,o livro como um todo tem um tom meio estereotipado e preconceituoso(mesmo contextualizando),e aquele final pelo amor de qualquer coisa,tudo bem ser ambíguo e levantar discussões,mas eu particularmente tbm não gostei,achei meio sem pé nem cabeça

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