Onde Está Segunda?, e as várias mulheres de todas nós

Onde Está Segunda? é uma produção da Netflix, estrelada por grandes estrelas da TV e do cinema como Noomi Rapace, Glenn Close, e Willem Dafoe. O enredo traz a história de sete irmãs gêmeas que, para viverem em um mundo onde a política do filho único não permite irmãos e irmãs, devido à superpopulação, as gêmeas precisam fingir que são a mesma pessoa. Cada uma saindo um dia na semana apenas.


Superpopulação é um problema a se considerar. A China, prevendo os problemas causados pela superpopulação, implementou a política do filho único em seu território no final da década de 1970. O problema dessa política: como o país, assim como muitos da região, valorizam filhos e não filhas, casais que tivessem meninas estavam abandonando suas bebês em orfanatos para tentarem uma nova gravidez. Abortos seletivos, que também ocorrem na Índia, também se tornaram comuns quando o pré-natal apontava um feto do sexo feminino.

Mas no enredo de Onde Está Segunda?, a política foi implementada no Ocidente. E é neste cenário que nascem as sete meninas, que ficam aos cuidados do avô, interpretado por Willem Defoe. Cada menina ganhou o nome de um dia da semana e no seu dia da semana elas podem sair de casa, porém interpretando a mesma pessoa, Karen Stettman, o nome da mãe das garotas.

Muitas críticas recaíram sobre o filme, algumas bem acertadas, outras nem tanto. O que de fato salta à vista no enredo é a personalidade de cada uma das irmãs, todas elas marcadas por uma vida interpretando a mesma pessoa. Se você olhar com cuidado vai perceber que elas podem muito bem corresponder a qualquer uma de nós, cada uma representando uma época, um momento, uma dor, uma alegria, uma memória, uma habilidade.

A convivência entre as sete mulheres não é fácil, já que elas precisam ficar presas no apartamento seis dias na semana. Precisam fazer uma maquiagem precisa para que todas se pareçam a mesma, usando perucas e escaneando o rosto buscando diferenças de um dia para o outro. É uma prisão sem grades ter que viver à sombra de uma pessoa que não existe. Que tipo de danos psicológicos isso poderia gerar?


Existem várias mulheres em cada uma de nós. Aquela que não sabe sobre sua própria força e que vai descobrir apenas quando for necessário ou tarde demais; aquela que finge ser uma coisa que não é; a inteligente e tímida, mas que tem seu potencial desperdiçado; a atlética, forte, destemida; a que quer ser amada e desejada; a que gostaria de ver o mundo; a que se rebela contra ele. Esta talvez seja a metáfora mais poderosa do filme, a despeito dos problemas de roteiro. A de enxergar uma mulher múltipla, uma mulher entre várias ou várias entre uma só.

Em mundo que quer que a mulher caiba em um molde, em um padrão e a julga por não querer caber ou por querer, que a julga por ser velha demais, nova demais, gorda demais, magra demais, acabamos nos defendendo dessas agressões criando máscaras. Há momentos em que ficamos caladas, pois sabemos que discutir ou opinar não surtirá efeito. Há também os momentos em que nos deleitamos com o egoísmo ou com nossa capacidade de machucar alguém apenas pelo motivo de podermos fazer isso. Em um mundo que quer nos simplificar, Onde Está Segunda? nos lembra de todas aquelas mulheres que lutam dentro de nós buscando espaço e voz.

Se você é obrigada a interpretar alguém para poder sobreviver, como saber quem de fato você é? Esse é o principal dilema das irmãs e que acaba recaindo em nós também. Quantas mulheres você deve ter conhecido que, vivendo pela vida dos outros, a serviço dos outros, pelas demandas dos outros, desconhecia seus gostos, sua força ou o que era capaz de fazer? Quando a sociedade impõe papéis pré-estabelecidos de comportamento, o que é verdadeiramente inato de alguém e o que é imposto? Tem gente que nunca pôde fazer essa viagem de auto-descoberta, de mergulhar em si para saber o que é ruim ou o que é bom, sendo assim uma presa fácil para qualquer pessoa habilidosa e mal intencionada.


Onde Está Segunda? teria melhor trabalhado essas questões se fosse uma minissérie, mas ainda sim o longa me deixou pensativa sobre essa multiplicidade de 'eus' que tenho. E você, quantas há dentro de si?

Até mais!

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