Resenha: Solaris, de Stanislaw Lem

A obra de Stanislaw Lem é um dos grandes clássicos de ficção científica. Uma obra em que você fica digerindo durante um bom tempo suas implicações sobre humanidade, emoções, comunicação, até mesmo sobre o significado de ser alienígena, já que o que nos é apresentado aqui é diferente de tudo o que você provavelmente já viu em livros, filmes ou séries. A obra ganhou uma linda edição em capa dura da Aleph, edição esta que Solaris merecia há muito tempo.

Este livro foi uma cortesia da Editora Aleph

O livro
Solaris é um planeta peculiar que orbita dois sóis. Mas sua maior peculiaridade é seu oceano. Um imenso ser vivo que cobre o planeta todo e que provavelmente é inteligente. Kris Kelvin, psicólogo e nosso narrador, explica que muitos mundos iguais à Terra foram encontrados, mas nenhum igual a Solaris. Toda uma ciência foi criada para se estudar o planeta - a solarística - e uma estação flutuante foi construída para ajudar aos pesquisadores. Quando Kris chega a estação, encontra as pessoas amedrontadas, desconfiadas, paranoicas.

Resenha: Solaris, de Stanislaw Lem

Não vou dizer que vai ser fácil ler Solaris. As explicações sobre a solarística podem incomodar algumas pessoas, mas elas são necessárias para entender a dinâmica dos estudos sobre o planeta e o quão pouco os cientistas o compreendem. Nenhuma tentativa de contato com o oceano teve sucesso. Os cientistas estudam as misteriosas formas e cristas e ondas que ele cria, sem conseguir compreender que mensagem está sendo passada. Em 100 anos, ninguém conseguiu decifrar o que elas queriam dizer, nem se o oceano é consciente ou não.

Nós partimos para o cosmos preparados para tudo, quer dizer, para a solidão, para a luta, para o martírio e para a morte. Por modéstia, não expressamos isso em voz alta, mas às vezes pensamos que somos maravilhosos. Entretanto…entretanto, não é que queiramos conquistar o cosmos, mas ampliar a Terra até o limite dele.

Kris chega à estação em Solaris e descobre um ambiente amargo, pessoas perdidas e afundadas em lembranças. Logo ele descobre que o motivo disso são as réplicas: pessoas que morreram, cada uma delas guardada nas lembranças das pessoas, que foram enviadas por Solaris. O que o oceano está fazendo? Por que mandar pessoas mortas? O que nossas lembranças podem fazer ao oceano para fazê-lo reagir desta forma?

Você já deve ter ouvido uma frase que diz que conhecemos mais a superfície da Lua do que o fundo de nossos oceanos. Imagine então colocar um oceano vivo no espaço e aí pode ter uma noção de fascínio e terror que Solaris pode causar. Em um brilhante misto de hard sci-fi e horror, Solaris é um enigma fascinante, daqueles que te fazem perder a noite pensando. Uma das implicações de Solaris é sobre os limites do conhecimento humano. Sabemos que o que impulsiona a ciência e a própria humanidade é o desconhecido, mas quanto desconhecimento estamos dispostos a suportar?

As réplicas sentem uma necessidade intensa de permanecer por perto das pessoas a quem estão ligadas. Elas são projeções de lembranças, de coisas reprimidas e guardadas na mente dos cientistas da estação, coisas que os atormentam. O grande amigo de Kris, Gilbarian, acabou tirando sua própria vida ao se ver confrontado por uma delas. São praticamente indestrutíveis. Se uma delas morrer, logo em seguida chega outra. Pouco depois da chegada de Kris, sua mente inevitavelmente volta à memória de uma mulher. E uma réplica dela chega. Chega a hora de Kris enfrentar seu passado.

Existem poucas mulheres no livro e quando elas aparecem são todas réplicas. Quando vemos uma réplica, especialmente uma que pode voltar a qualquer momento, é quase como apontar que a mulher é o motivo de sofrimento do homem. Escrito em 1961, o livro carrega os estereótipos de gênero e raça que muitos livros da época também tinham. É possível passar por cima dessas partes e assim entender o contexto do autor e de sua época, mas mesmo assim pode incomodar.

A edição da Aleph está linda, perfeita, capa dura e brochura em amarelo, com um lindo trabalho gráfico por dentro. A tradução feita diretamente do polonês de Eneida Favre ficou melhor do que a edição da Relume-Lumara que eu li uns anos atrás e assim a leitura fluiu muito melhor.

O homem saiu para encontrar outros mundos, outras civilizações, sem saber nada sobre seus próprios recessos, ruas sem saída, poços e portas bloqueadas e escuras.

Obra e realidade
É a segunda vez que leio Solaris, mas o livro sempre me deixa uma série de questionamentos. Muitas vezes tentei me colocar no lugar de uma pessoa chegando em Solaris. Qual pessoa da minha vida o oceano traria? Eu teria coragem de interagir e conversar com essa pessoa? Teria coragem de dar as costas à ela? Um sentimento muito comum que temos com os mortos mais queridos é o de culpa. Por não termos dito as frases que importavam, por não termos passado mais tempo juntos, por não termos pedido desculpas e mudado a tempo. Seria então a culpa o agente que estimula o oceano?

Em um determinado momento do livro você não sabe quem está estudando quem: se nós estudamos o oceano ou se ele é quem está nos estudando, estudando nossas reações ao ter que conviver com gente que já morreu. Outra questão que precisamos levantar é: estamos sempre imaginando e buscando como seria um contato com alienígenas. Mas será que vamos compreender a mensagem? Imagine uma reação ao que aconteceu em Solaris, mas aqui na Terra, em grande escala. Consegue imaginar o pânico? Como vamos saber que isso também não é uma tática de infiltração, de invasão? Percebe como a dúvida deixada por Stanislaw é muito maior do que apenas o oceano em si?

O livro se preocupa com os questionamentos filosóficos da busca da humanidade pelo conhecimento. Há uma grande ênfase na exploração histórica de Solaris e em como os humanos acreditam que estão procurando por novos mundos, mas o que eles realmente estão fazendo é buscar a reafirmação de sua existência, o que significa que eles querem coisas que são e se parecem com o que eles conhecem, ao invés de algo novo.

Stanislaw Lem

Stanislaw Lem foi um escritor polonês de ficção científica.

Pontos positivos
Solaris
Réplicas
Traduzido do original
Pontos negativos
Racismo
Poucas mulheres, todas réplicas


Título: Solaris
Título original: Solaris
Autor: Stanislaw Lem
Tradutora: Eneida Favre
Editora: Aleph
Ano: 2017
Páginas: 320
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Uma vez eu comentei que Solaris é uma obra que fica fora da curva entre todas as outras da ficção científica. São poucos livros que conseguem essa façanha, de se manterem únicos quanto ao seu tema. Esse é aquele livro que vai te deixar pensativa por muito tempo e quando voltar para reler, como eu fiz, terá ainda mais questões. Um livro essencial na sua estante para revisitar sempre.

Até mais! 🌊

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Comentários

  1. Capitã, você é uma inspiração. Você é uma das poucas críticas que trazem reflexões sociais. Junto com isso você também traz uma perspectiva gerais sobre as obras, cabendo ao seu leitor decidir se as suas impressões negativas tornam um impeditivo à leitura.
    Solaris é uma obra que me decepciona pelo racismo, mas tenho grandes expectativas para lê-lo, sabendo fazer uma reflexão crítica quando futuramente eu o ler.

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  2. Eu li esse livro passado, confesso que só terminei porque a minha "política de leitura" vai contra abandonar livros (se bem que já fiz isso esse ano). Mas achei o livro super chato. Definitivamente esse livro não se encaixa com meu perfil haha

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