Nazismo na ficção

Se tem um assunto que a ficção tratou demais é o nazismo. Pode nem mesmo ter o nome do regime, nem mesmo homens uniformizados marchando, mas há inúmeras referências, diretas ou indiretas a respeito. De nazistas na Lua a inspirações no mundo da magia, a Segunda Guerra Mundial transformou o mundo. Infelizmente, mesmo depois de 60 milhões de mortes, há ainda quem ache que uma pessoa tem o direito de ser nazista, baseado na "liberdade de expressão". Não. Simplesmente não.




O século XX imaginava um século XXI de arrojo, de fim das hostilidades, especialmente com os horrores perpetrados na Segunda Guerra, mas o que estamos vendo no cenário mundial é um crescimento do conservadorismo, do nacionalismo e do autoritarismo. Racistas e nazistas se sentiram confortáveis para marchar em Charlottesville, proclamando palavras de ordem, carregando a bandeira confederada e a nazista. Tenho que atestar o óbvio aqui, de que não se deve tolerar esses discursos, nem mesmo em nome da liberdade de expressão. Na dúvida, leia sobre o paradoxo da tolerância.

A ficção se inspirou no nazismo para discutir uma série de coisas. Basta olhar para Star Wars e notar as influências nos uniformes da tripulação da Estrela da Morte e dos destróieres imperiais. O Despertar da Força trouxe a mais óbvia representação e estética nazista, quando Hux faz seu discurso na Base Starkiller. Os Stormtroppers da vida real eram soldados especialistas do Exército Alemão na Primeira Guerra Mundial. Nos últimos anos da guerra, os Stoßtruppen eram treinados em táticas de combate e infiltração, como parte do novo método alemão de atacar as trincheiras. Tropas de assalto atuais ainda se valem de técnicas criadas por eles.

A Hydra também tem óbvia influência, até mesmo na forma como seus membros se cumprimentam: Hail, Hydra! E a forma como ela se torna uma parasita na própria SHIELD pode ser vista como um reflexo dos nossos tempos, em que nazistas ficaram mais ou menos à margem, mas sempre lá, à espreita. Tanto em Star Wars quanto no caso da Hydra, as duas organizações têm uma vaga inspiração no regime. Hydra e o Império querem ser as donas do mundo ou do universo, calando vozes dissidentes, estabelecidas e apoiadas no preconceito contra tudo o que for diferente deles. Se você pegar o livro Manual do Império, de Daniel Wallace, e o folhear, verá como ele se parece com um manual para totalitaristas e apoiadores da ditadura.

Ao cortar os últimos laços com o passado, o Imperador acabará com a fracassada filosofia representativa da maioria.

Manual do Império

Parece familiar com os discursos atuais e reaças de Facebook?

O Nazismo era uma organização de supremacistas brancos, de extrema-direita, com uma ideologia nacionalista que visava exterminar qualquer um que ameaçasse sua assim suposta raça superior (baseada no racismo científico e no antissemitismo). Não só o povo judeu, mas os romani ("ciganos"), pessoas com deficiência, gays e espiões e soldados inimigos também foram vítimas do nazismo. Ou seja, tudo o que era diferente da "raça ariana" era visto como uma ameaça ao sistema. E onde essa ideologia melhor foi vista na ficção foi em Harry Potter.

Voldemort e todos os seus bruxos das trevas tinham como objetivo controlar o mundo mágico, expurgar os "sangue-ruins" e garantir a superioridade dos "sangue-puros". Eles não aceitam bruxos como Hermione, a quem Draco Malfoy chamou várias vezes de sangue-ruim, por ela não vir de uma família de longa tradição mágica como a sua. Os bruxos vindos do mundo "trouxa" eram perseguidos, bem como seus apoiadores ou qualquer que se aliasse a eles ou protegesse. O ódio e a condescendência para com os trouxas na sociedade mágica é algo com base muito real, como o antissemitismo e o racismo que permeiam as sociedades até hoje, perpetuadas em piadinhas racistas, misóginas e homofóbicas. JK Rowling foi muito pé no chão na hora de descrever desta maneira a sociedade de Harry Potter.

Há casos de grupos marginalizados dentro do enredo de Rowling que se aliaram a Voldemort e seus bruxos das trevas, como os lobisomens. Não é difícil vermos no mundo real mulheres reproduzindo misoginia e machismo ou negros negando que exista racismo, como se, ao se aliar ao grupo hegemônico, elas estivessem protegidas e acolhidas de qualquer opressão. E na verdade não estão.

Vários filmes, livros e séries já mostraram os nazistas, como Indiana Jones, alguns sendo derrotados, outros em que eles perseveraram e foram os grandes ganhadores da Segunda Guerra, como O Homem do Castelo Alto. Há muitos questionamentos a respeito da representação dos nazistas e se a ficção deve mostrá-los pelo o que realmente eram. As alegorias, como as usadas em Harry Potter e Star Wars, deveriam ser suficientes para que pudéssemos observar sua ideologia racista, mas ao que parece muitos ainda digerem a ficção como apenas entretenimento, sem nenhuma reflexão a respeito.

E tudo bem se a pessoa quer apenas ser divertida, mas ela não pode incomodar quem está fazendo as reflexões necessárias ou lutando por um mundo melhor. Se nem mesmo depois de uma guerra mundial, campos de concentração e dezenas de milhões de mortos a sociedade ainda não entendeu que nós não podemos tolerar o nazismo, o racismo e a supremacia branca, a ficção dificilmente conseguirá cumprir esse papel. A história está aí para que possamos aprender com os erros do passado e não para repeti-los.

Não dá para escrever em um único post tudo o que foi feito na ficção para representar os nazistas. A ideia é apenas mostrar que esses conceitos são trabalhados até hoje e nem todo mundo conseguiu reparar neles. História e ficção podem e devem trabalhar juntas. No mais, punch a nazi!

Até mais! E punch a nazi!


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Comentários

  1. Caí aqui por acaso, ao explorar o Teia Neuronial... (após ouvir os podcasts produzidos lá, concluí que eles são perfeitos para um ritual com ayahuasca). Mas voltando, ótimo texto, fez-me lembrar um artigo que li na internet há algum tempo chamado "o nerd padrão é imbecil e preconceituoso", no qual o autor relata o machismo nos campeonatos de jogos virtuais dos homens, o público predominante, contra as poucas mulheres competidoras. Vejo frequentemente esse tipo de atitude, preconceitos de todos os tipo e superficialidade exacerbada no universo de fãs/nerds, e fico imaginando por que a mensagem implícita nessa obras não alcança esse público..., tipo o cara que lê X-Men e é racista ou xenófobo, o cara que é fã de Star Wars e na vida real é um fascista... é claro que se ele torcer pelo Império não está sendo incoerente com o espectro político que escolheu, apenas incoerente com o humanismo, enfim... sou formado em História e tento começar um doutorado que explore exatamente essas releituras de processos sociais por meio da literatura fantástica e da ficção científica, como você fez acerca do nazismo. Faço um trabalho voluntário em algumas escolas públicas aqui de Fortaleza levando esses temas em palestras e tentando arrancar das crianças o interesse pela leitura e uma compreensão melhor do mundo. No facebook, criei um protótipo de página voltada ao projeto - @projetopensehistoria - e estou tentando alavancá-la. Você aparenta ter uma facilidade para escrever, eu estou muito enferrujado, gasto folhas e folhas para começar a escrever meu projeto de tese e não fica como gostaria... parabéns pela página.

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