Resenha: Diário de uma Escrava, de Rô Mierling

Fiquei muitas semanas tentando digerir esse livro e não consegui. É um livro de tema certamente importante para ser discutido, que é o sequestro e encarceramento de meninas e adolescentes, usadas como escravas sexuais, tal como aconteceu com Natascha Kampusch. Mas muita coisa neste livro poderia ser diferente.

Parceria Momentum Saga e editora DarkSide


O livro
Laura é uma adolescente aprisionada em um buraco no subsolo de uma casa de campo. Seu captor, Ogro, como ela o chama, a abusa, estupra e humilha quase que diariamente. Ele lhe dá banhos dolorosos, puxa pelo cabelo, alimenta mal e a obriga a fazer todas as necessidades em um balde. É uma situação de extrema violência que a garota passa e muita humilhação.


Alternada com a realidade da jovem, temos o Ogro em ação, tentando fisgar mais vítimas pela internet, se passando por um namoradinho apaixonado em redes sociais e marcando encontros, onde sequestra, estupra e depois desova os corpos nas estradas e florestas ao redor. A família de Laura e das outras meninas, ficam profundamente mudadas pela experiência traumática e a polícia não tem provas do assassino.

Não sei de onde as pessoas tiram essa ideia, absurdamente fraca e sem lógica, de perdoar quem as maltrata. Posso estar errada e parecer anticristã, mas, Deus me perdoe, não sai de mim nada além de pura escuridão.

Página 123

Ogro é o marido exemplar, apesar de ser muito calado. Frequentava a mesma igreja de Laura, perseguindo a jovem até finalmente conseguir colocá-la no buraco. A família de Laura acredita até que a moça esteja morta, passados tantos anos desde seu sumiço. Com o tempo, ela passar a conhecer melhor seu captor, mesmo com o abuso físico e psicológico. E acaba ligada a ele de maneiras que nem ela mesma pode compreender. Laura atribui à sobrevivência, que ela fará tudo para poder viver, até mesmo colaborar com ele, conversar, tentar entender que sana sanguinária é aquela que o leva a matar tanto.

A narrativa de Rô Mierling é direta, crua, sem muitos floreios e passa bem rápido. Isso não quer dizer que você vai digerir rápido o livro. Com dados no final sobre desaparecidos - 250 mil no Brasil, todos os anos, sendo que 40 mil são menores de idade - o livro alerta o leitor sobre não confiar em qualquer pessoa, em sempre se manter alerta para pessoas desconhecidas na internet que querem puxar papo e já pedem intimidade. E o principal, a forma como muitas vítimas negociavam com seus captores para sobreviverem.

Porém, o livro tem um grande problema. A cada vez que Laura ou qualquer outra menina é estrupada, essa cena é descrita em cada mínimo detalhe. E acho que já temos exemplos suficientes na literatura, no cinema e na TV de que é possível falar de estupro sem descrever, sem chocar o leitor ou expectador. Não é necessário descrever toda uma sequência de estupro, inclusive com descrição da penetração forçada. Sério, eu não precisava, nem queria ler aquilo. Acredito que muitas leitoras também não vão querer. É um tema muito importante para tratar assim de maneira a chocar a audiência. Muitas mulheres guardam lembranças horríveis sobre violência sexual e não precisam de um livro para lembrá-las dos detalhes.

Apesar do trabalho gráfico impecável da DarkSide, como sempre, o livro tem um segundo defeito: não há nenhum aviso de gatilho no livro para leitoras que possam ficar traumatizadas com a experiência da leitura. Isso não é mimimi, isso é sério. Eu larguei o livro e só voltei semanas depois e ainda assim, já perto do final, pulei outras cenas desnecessárias de descrição de estupro.

Cheguei a ler comentários de leitores admitindo que algumas cenas eram excitantes, apesar de violentas. Como uma pessoa pode achar uma cena de estupro "excitante"? Percebe então a importância de pôr um aviso de gatilho no começo do livro, avisando para cenas que contém conteúdo impróprio e perturbador? Não é o tipo de livro que se vende aberto, por exemplo.

Ficção e realidade
Um aspecto positivo do livro são as estatísticas no final. Além de termos casos reais de jovens que se tornaram escravas sexuais depois de sequestradas, temos dados no Brasil e no mundo. O livro nos traz a podridão desses casos, pois geralmente vemos as jovens já limpas, com suas famílias, em segurança, mas não sabemos o durante. Muitas sofrem terror psicológico e acabam desenvolvendo até mesmo afeição pelo sequestrador, que é a única pessoa com quem ela tem contato.

Outras desenvolvem Síndrome de Estocolmo e algumas podem até mesmo se tornar cúmplices do abusador. Eles destroem a mente da vítima, que é obrigada a se reconstruir com base no cenário de destruição, estupro e violência que tem ao seu redor.

Pontos positivos
Tema pertinente
Projeto gráfico
Dados sobre violência sexual e sequestros
Pontos negativos
Violência e estupro explícitos
Sem nenhum aviso de gatilho

Título: Diário de uma Escrava
Autor: Rô Mierling
Editora: DarkSide
Páginas: 220
Ano: 2016
Onde comprar: Amazon

Avaliação do MS?
É um livro de tema importante, uma situação que acontece, é preciso proteger crianças e adolescentes de predadores sexuais. Só não consigo entender como um livro que deixa estupro e violência tão explícitos pode colaborar com isso, chocando e amedrontando leitoras. Deixo aí a resenha e na sua mão a decisão de querer ler ou não. Dois aliens.


Até mais.

Já que você chegou aqui...

Comentários

  1. As resenhas dessa livro me distanciaram dele... Não estou psicologicamente preparada para mergulhar nesse mundo!

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  2. Ao terminar de ler dei 3 estrelinhas no Skoob mas com o passar do tempo essa nota caiu bastante.
    Esperava que o psicológico fosse o foco central do livro, que o vilão fosse """""sedutor"""" para a gente de uma maneira doentia (pois sabemos que geralmente eles são), não uma sucessão de descrições detalhadas (se fosse eu, se tivesse que descreveria uma cena, nas outras deixaria subentendido, ou só mencionaria que aconteceu) de estupros a cada capítulo. E no final o leitor não tem nenhum tipo de recompensa ou catarse por aguentar isso tudo...

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  3. Me chocou demais esse livro, li em 5 dias. Com a necessidade de querer saber o que aconteceria com a protagonista me afundei no livro, chorei, passei noites em claro pensando. Realmente o livro é explicito demais, um assunto delicado ser tratado com tamanha abertura como se fosse algo normal. O mais difícil (embora possível) é pensar que existe sim pessoas a esse ponto de loucura.

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