Infâncias construídas

Infâncias construídas



A irmã de uma adolescente de 14 anos fez uma postagem no Tumblr sobre um comentário que ela fez enquanto assistiam às Caça-Fantasmas (2016) pela segunda vez. O comentário é esse:

Minha irmã disléxica de 14 anos ama as novas Caça-Fantasmas. Estávamos terminando de assistir pela segunda vez. Lá pelo meio do filme ela vira pra mim e diz que acha que a Holtzmann (sua personagem absoluta e favorita) é disléxica. Respondi que era legal, mas o que a levou a pensar isso? E ela apontou os óculos amarelos da Holtzmann, tanto o de proteção quanto o de leitura. Algumas pessoas com dislexia usam lentes coloridas ou filmes plásticos sobre o que quer que estejam lendo para ajudar a ler. Para minha irmã tem que ser roxo ou azul. Quando ela virou para mim e disse isso tão, mas tão animada, dizendo 'minha personagem favorita é como eu???' E foi isso, fiquei muito feliz por ela ter esse grande momento.

Outra fã do filme, que também é disléxica, ao observar os óculos da Holtzmann, supôs que ela tenha a Síndrome de Irlen. A (S.I.) é uma alteração visuoperceptual, causada por um desequilíbrio da capacidade de adaptação à luz que produz alterações no córtex visual e déficits na leitura. Isso explicaria porque Holtzie usa os óculos o tempo todo, devido à cor das lentes ajudar na leitura e diminuir o incômodo causado pela luz.

Hotlzmann e seus óculos amarelos

Foi algo proposital do diretor Paul Feig? Ninguém sabe e na boa? Não importa. Milhares de meninas estão fazendo seus próprios macacões e improvisando mochilas de prótons e juntando-se para salvar o mundo e caçar fantasmas. Elas estão se identificando com as personagens do longa porque elas existem, estão lá no filme, chutando ecto-bundas e mostrando que mulher não só pode ser Caça-Fantasmas, como ela pode ser o que quiser ser. Mostrando que meninas disléxicas podem ser tão fodonas quanto a Holtzie em sua loucura genial. Quando eu quis ser caça-fantasmas brincando com um vizinho, aos 8 anos, ele me esculachou, dizendo que Caça-Fantasmas eram homens e eu só tinha lugar na brincadeira para ele me caçar. As meninas hoje não ouvirão mais esse disparate.

A sensação de protagonizar algo que a gente tanto ama é maravilhosa. Ela preenche todas as fissuras deixadas pelos anos de porradas que tomamos por não termos em quem nos espelhar. Empodera, aumenta a auto-estima, alegra. Seja o Finn, em Star Wars e a forma incrível na qual os olhos do Matias brilhavam ao lado de seu boneco, seja essa incrível garotinha ao lado do pôster de Cada Um Na Sua Casa, filme da Dreamworks. Você poder ser heroína sem ter que mudar para caber num padrão engessado é libertador. Você pode brincar com seu boneco de Star Wars que parece com você. As pessoas, em geral, deveriam ficar felizes por essas crianças e seus olhinhos brilhando. Mas não.

Representatividade importa

Caça-Fantasmas foi e ainda é violentamente atacado por homens mimados que esqueceram que cresceram e que suas infâncias não foram destruídas, elas apenas ficaram no passado, onde eles estão bem representados, muito obrigada. O filme é divertido, as protagonistas arrasaram na atuação e mesmo com problemas de roteiro e edição, o filme entrega o que prometeu. Paul Fieg lamentou que o filme fosse tão rechaçado antes mesmo da estreia. Teve gente dizendo que o roteiro era ruim com menos de dois minutos de trailer!

Eu quase não culpo a audiência, porque eles reagem àquilo com que sempre foram alimentados. Acredito que o fato de eles não terem visto muitos filmes estrelados por mulheres é culpa de Hollywood e torço para que isso seja superado.

Paul Fieg

Se eu que sou mulher adulta me senti representada pelo filme, o que as crianças e as adolescentes de hoje, que saíram gritando de alegria dos cinemas, vão sentir? E as crianças vestidas de Rey e Finn? Leslie Jones se inspirou, quando criança, na figura de Woopi Goldberg, que se inspirou, quando criança, na tenente Uhura, na ponte da Enterprise. Quando você representa as pessoas corretamente isso inicia uma corrente que se perpetua e se estica rumo ao futuro, garantindo que pequenas Mae Jemisons se tornem astronautas ou que pequenas Leslie Jones estejam no macacão de uma Caça-Fantasmas. É algo que não deve parar.

E se alguém não fica feliz ao ver essas crianças sorrindo, felizes com um óculos amarelo, um boneco, ou um pôster, isso já demonstra o egoísmo nato de quem sempre teve tudo e não quer compartilhar.

Até mais!


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Comentários

  1. Pra mim nunca fez tão sentido a palavra representatividade ao ver minha filha. Qdo eu era criança, pouco havia super heroínas ou mulheres fodas, e eu gostava do que me era dado: versões masculinas.
    Qdo vejo minha filha gostando e admirando e só querendo assistir desenhos e filmes em que as mulheres são protagonistas eu mais que compreendo como isso é importante pra gente, como é bom ver que nós podemos ser e fazer qqr coisa, não só sonhar em ser salva pelo herói, mas ser a quem salva o mundo!

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  2. Que texto incrível! Representatividade na infância é essencial! 💜

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