Resenha: 1984, de George Orwell

E a primeira resenha do ano é de um dos grandes clássicos da ficção científica! Eu já o tinha lido, a muitos anos atrás, numa galáxia distante, mas confesso que não curti. Não foi uma leitura agradável e acho que a narrativa densa e por vezes arrastada afastou esta então adolescente da leitura. Desta vez li no Kindle uma edição mais recente, com nova tradução e a leitura fluiu muito melhor.

O livro
Winston trabalha para o Partido, leva uma vida comum, sendo vigiado pelo Grande Irmão, mas há uma inquietação. Ele está incomodado com alguma coisa. Isso fica claro assim que ele começa a escrever em um diário que comprou por impulso. O Grande Irmão está sempre de olho, ele precisa tomar cuidado com o que pensa, o Partido é implacável com os desertores e traidores. Sua função no escritório do Ministério da Verdade é simples: ele falsifica notícias e qualquer notícia que desminta os feitos do governo, transformando mentiras em verdades e apagando a verdadeira história. Ou seja, é muito difícil saber o que é real e o que é imaginário num mundo onde tudo é forjado.

Resenha: 1984, de George Orwell

Um dos melhores exemplos disso é que Winston nos diz que a Oceania (abarca a atual Oceania, América, sul da África, Islândia, Irlanda e Inglaterra) está em guerra com a Eurásia e que a Lestásia é aliada, só que ele lembra de um momento no passado em que isso era diferente. Somente por ter esta lembrança, Winston já é um criminoso, pois contraria o que diz o Partido e ele nem mesmo pode verificar se isso é verdade, já que o Ministério da Verdade é muito bom em sua função. Essa é uma afirmação poderosa da política do Grande Irmão: Guerra é paz. Estar em guerra constante, não importa com quem, é uma afirmação de poder.

Winston sempre está de olho em uma moça, membro do Partido, Júlia, com a qual se envolve após um bilhete. Os dois mantém um romance, que é proibido. Winston tanto teme o Grande irmão que prevê que logo serão pegos e, possivelmente, mortos ou torturados. Além deste controle total sobre a verdade, outra afirmação é que Liberdade é Escravidão. Não há possibilidade de individualidade, já que todos recebem exatamente a mesma coisa. Não existem conceitos, não se pensa fora do contexto, nada é questionável.

Estava sozinho. O passado estava morto, o futuro era inimaginável. Que certeza podia ter de que naquele momento uma criatura humana, uma que fosse, estivesse do lado dele? E como saber se o domínio do Partido não seria para sempre?

Página 38

A narrativa fluiu bem, sem floreios, mas corre devagar em alguns capítulos. Ele tem partes perturbadoras e intensas intercaladas com partes chatas e insossas. Isso pode incomodar alguns leitores. É uma distopia de extrema importância que, com certeza, inspirou muitas distopias atuais e vemos muitos autores beberem de sua fonte. A representação feminina do livro me incomodou bastante, pois Júlia carrega tudo de negativo que a liberdade parece representar. O protagonista odeia mulheres e diz isso no livro.

Não sei exatamente qual era a intenção de Orwell com a misoginia aberta de Winston contra Júlia. Era algo inerente do autor? Foi algo que ele colocou ali para mostrar como Winston estava alinhado com o partido? A presença de Júlia o desestabiliza a partir do primeiro encontro. Então será que a figura de Júlia representava algo que poderia desestabilizar o governo e por isso Winston a odeia logo de cara?

É muito curioso que um livro que critica as estruturas de poder deixe o poder dos homens sobre as mulheres intocada. Winston não apenas ignora a desigualdade de gênero, mas na verdade a perpetua ao longo do livro. Ao longo da narrativa, as mulheres são sempre vistas como fonte de frustração, irritação ou tentação e essa visão nunca é questionada, nem mesmo por Júlia.

Esta é uma sociedade que controla até mesmo as emoções das pessoas, então quando os personagens as expressam costuma ser de maneira explosiva ou intensa, o que explica muitas atitudes de alguns personagens, inclusive da personagem feminina que é o interesse romântico do protagonista. Vemos com certo choque o quanto esse controle mental é presente em sociedades de líderes autoritários, coisa que vem se mantendo atual mesmo no século XXI, com líderes populistas e corruptos.

Não encontrei problemas de revisão ou diagramação no livro e a tradução de Heloisa Jahn e Alexandre Hubner está ótima.

Ficção e realidade
Mesmo tendo sido escrito em 1948 e conter tecnologias que pareçam obsoletas, ele continua sendo atual não pela tecnologia, mas pela manipulação da verdade, da vigilância extrema, pela dificuldade de saber o que é verdade e o que não é, especialmente quando comparamos com as notícias falsas virais, com a vigilância constante por parte de câmeras e até o controle do nosso ir e vir simplesmente pelo GPS do smartphone da atualidade. O Google seria um bom exemplo de Grande Irmão se considerarmos todas as funções que nos oferece e que usamos, às vezes sem saber.

Para poderem viver no sistema, Winston e Júlia precisam ser dissimulados. A certeza de Winston é tanta, que ele às vezes deixa de aproveitar os bons momentos com ela por se preocupar se estará vivo no dia seguinte.

George Orwell

Eric Arthur Blair, mais conhecido pelo pseudónimo George Orwell, foi um escritor, jornalista e ensaísta político inglês, nascido na Índia Britânica.

Pontos positivos
Distopia
Grande Irmão
Se mantém atual
Pontos negativos
Misoginia
Alguns capítulos arrastados


Título: 1984
Título original: 1984
Autor: George Orwell
Tradutores: Heloisa Jahn e Alexandre Hubner
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 270
Ano de lançamento: 2009
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Uma grande obra, uma referência para a ficção científica. Pode não agradar a todos quanto ao estilo narrativo do autor, porém a mensagem de 1984 é poderosíssima. Alguns termos do livro, como Big Brother (Grande Irmão), entraram para o vernáculo popular e Orwelliano é usado para se referir a qualquer coisa que lembre o livro ou às situações retratadas no livro. É uma ficção científica obrigatória para qualquer fã do gênero. Cinco aliens para ele e uma forte recomendação para que você também o leia ou releia.


Até mais!

Já que você chegou aqui...

Comentários

  1. Gostei muito do livro e de sua resenha, fiquei muito reflexivo após a leitura de 1984. Um futuro "possível" imaginado por ele, que não gostaríamos de ser concretizado...

    Fiz uma resenha no meu blog sobre o livro, ficaria muito feliz se você lesse. ;)
    https://antoniopimentablog.wordpress.com/

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