Ficção científica não é pessimista

Este é um mito que me incomoda bastante e que está tão disseminado entre os fãs do gênero que parece impossível ver/fazer/ler uma ficção científica que não seja de viés pessimista. E se você diz o contrário, é até acusado de "conhecer pouco" a FC. Mas pouca gente para e reflete sobre este momento do gênero. Pois o pessimismo é isso, um momento.




Quando houve uma separação entre fantasia e ficção científica, evidenciado por obras com as de Júlio Verne e HG Wells, ao analisarmos o cerne delas veremos que as aventuras fabulosas foram inspiradas nas explorações em locais exóticos da Terra. As explorações científicas, os aventureiros, as descobertas arqueológicas, o senso do desconhecido e o interesse do público por tudo isso geraram livros que eram carregados de tais aventuras.

Daí nasciam a visão do herói que salvava o dia ou a galáxia, as corridas espaciais, a derrota do maligno e o beijo da namorada no final de um dia de trabalho. Explorar a Terra foi o pontapé inicial para formar autores que mais tarde desbravaram Marte, Vênus, o nosso sistema solar e o universo. Com o progresso da ciência, em especial dos aviões a jato, os foguetes e os telescópios, nossa visão de mundo começou a mudar, mas havia ali ainda uma visão da raça humana que se não fosse totalmente benigna, era ao menos mais próxima do que temos hoje.


A Guerra Fria, o Vietnã, o terrorismo, a espoliação causada pelo consumo desenfreado, os exageros da civilização ocidental, tudo isso contribuiu para gerar autores que não tinham lá uma visão muito bela da humanidade. Os limites do nosso planeta já foram alcançados, conhecemos o universo por meio da tecnologia, e houve então uma enorme quantidade de obras sendo lançadas com um viés distópico, cyberpunk, pós-apocalíptico, que é o que tem mais rendido ultimamente, em especial nas salas de cinema.

Distopias e ambientes pós-apocalípticos mexem com a nossa estabilidade, mexem com a nossa zona de conforto, pois mudam a nossa realidade para uma que é desagradável. E isso tem sido explorado ao máximo. Se um lançamento nas livrarias que mexe com isso faz sucesso, as editoras aproveitam o surto e lançam porrilhões de novos títulos com a mesma temática. E o cinema, sabendo que isso faz sucesso, aposta com força no estilo, dando títulos e mais títulos com o mesmo segmento. Pegue os três lançamentos mais recentes - Oblivion, After Earth e Elysium - e veja sobre o que eles falam. Pois é.

Isso é uma indicação que a ficção científica é pessimista? Não. Não é. Ela ESTÁ pessimista, mas ela não É pessimista. Porque quem a faz ser o que é são os autores, roteiristas e produtores, que por fazerem mais do mesmo, passam a impressão de termos uma FC horrível. Se ela é tão pessimista assim, o que dizer de Contato de Carl Sagan? Ou do mundo utópico de Jornada nas Estrelas? É uma anomalia? Ou uma amostra que o gênero é rico o suficiente para gerar obras com vários contextos?


A FC hoje passa por um momento de ostracismo, estagnada em gêneros que vendem e com um público leitor que, mesmo que esteja crescendo, ainda é pequeno demais para incentivar um outro modo de produzir este que é um dos gêneros mais completos da literatura. Veremos um período de mudanças, que está começando, mas que ainda vai demorar para tirar essa visão de pessimismo. Mas uma FC diversificada existe e pode ser produzida.


Até mais!

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