Ficção científica e a ciência de verdade

Uma coisa que sempre me cativou na ficção científica era a figura do cientista. Adorava as tiradas satíricas do Dr. Brown com a sua máquina do tempo estilosa, indo e voltando pelo tempo em saborosas aventuras. Ou então vendo o trabalho da Dra. Crusher em sua enfermaria, descobrindo novas doenças e tratamentos, audaciosamente indo aonde a ciência ainda não esteve. Mas a realidade é bem menos doce.





Nos filmes, nas séries, tudo é feito muito rápido. Claro, o tempo na tela deve ser contado, existe um padrão, existe um tamanho, especialmente para as séries de televisão que deve ser respeitado. Ok. Entendo isso, de verdade. A ciência da vida real é mais demorada mesmo, mas a vida de quem faz ciência está muito mais centrada na burocracia, no preenchimento de papéis, do que com a pesquisa em si. No Brasil então, isso é praticamente um padrão.

Para alguém fazer ciência no país, ele tem que estar vinculado à uma universidade. Não é sempre assim, mas é uma tendência quase geral. São poucos os mestres e doutores que fazem pesquisa fora do âmbito universitário. Mas a grande maioria deles também precisa dar aulas, ou seja, ele tem que dividir seu tempo entre o magistério e a pesquisa. Quem é professor sabe o quanto de horas são gastas para correção de atividades, composição de atividades, preparação de provas e sua correção, notas, trabalhos de campo, pareceres, documentos, etc., etc., etc.. Isso em si não é considerado trabalho para muita gente. Todo professor já ouviu a ridícula frase: "Você só dá aulas ou também trabalha?"


Mas existem os monitores que podem dar uma ajuda nas correções, nas dúvidas dos alunos. Legal. Mas as agências de fomento, como o CNPq e a FAPESP enviam projetos e trabalhos para professores pesquisadores do país todo que sejam referência em suas respectivas áreas de atuação, para avaliar projetos, financiamentos, bolsas para pós-graduação e isso toma ainda mais tempo daquele que quer fazer pesquisa. É mais papelada, mais tempo perdido, mais burocracia a ser enviada. Um laboratório para se manter funcionando precisa de alunos de pós, professores e dinheiro para financiar equipamentos, desde uma lupa a um microscópio. E fazer esses projetos de financiamento são também demorados, pois vão e voltam várias e várias vezes, onde as agências e seus revisores acham pêlo em ovo nos relatórios e pedidos.

Se cada unidade de um instituto, que se dedica à várias áreas de pesquisa, tivesse uma equipe responsável por cuidar da maior parte da burocracia que os docentes e pesquisadores precisam lidar, certamente sobraria mais tempo para pesquisa. Os professores acabam atolados na burocracia e acabam tendo menos tempo para a pesquisa. O pior acontece com as mulheres que saem de licença maternidade, já que as agências de fomento não descontam o tempo da licença dos prazos de entrega de resultados. Acaba parecendo que ela produziu menos.


Além disso, estes institutos e laboratórios precisam de novos mestres e doutores e isso só é conseguido com mais alunos de pós-graduação. Mas como obter novos alunos quando não há incentivo nem atrativos para a carreira docente universitária e para a pós-graduação em si? A Lei nº 12772/12, que alterou dispositivos da Lei nº 7.596, de 10 de abril de 1987, e que foi aprovada de maneira absurdamente rápida, agora estabelece que para ingressar nas universidades federais, basta o diploma de graduação. Se pegarmos como exemplo a Universidade de São Paulo, que é estadual, para ingressar como professor o título mínimo é de doutor. Ou seja, fazer mestrado, doutorado e pós-doutorado para que?

Cientistas, professores e pesquisadores brasileiros encaram tal lei como uma desvalorização não só da carreira docente como também da pós-graduação que já é mínima nas universidades, pois são poucos os alunos que se interessam em estudar mais anos do que os que já enfrentaram na graduação. Ou seja, teremos um decréscimo na pesquisa e na tecnologia pelo simples fato de não ser mais necessário ser doutor para ingressar na carreira do magistério federal. E se os pesquisadores já estão com dificuldades de fazer pesquisa agora, o que dirá daqui a alguns anos, quando o número de alunos cair ainda mais? É um contrassenso o governo aprovar uma lei dessas e abrir um programa com o nome Ciência Sem Fronteiras.

Stephen Hawking, que dispensa apresentações, disse:

Para mim, o aspecto mais positivo da ficção científica é que constrói um sentimento de admiração, curiosidade sobre o novo, o diferente e o estranho e um gosto pelo desconhecido. Acredito que se as crianças lessem mais ficção científica, mais delas gostariam de saber sobre o 'como' e o 'por que'. Eles não teriam medo da ciência e perseguiriam a carreira científica.


Bem... Previsões para o futuro? Um país que mal lê dois livros completos ao ano, que trata professores e pesquisadores como carne de quinta, que desvaloriza a carreira docente e sucateia as pesquisas, pretende competir com países maiores e reemergentes como Rússia, China e Índia? Pois o único emergente dessa história toda é o Brasil. A Índia tem seu próprio tablet e forma cerca de 300 mil engenheiros todos os anos. O Brasil forma menos de 10 mil. A ciência brasileira vem crescendo nos últimos anos, com trabalhos publicados em revistas de referência mundo a fora, mas sabemos que isso ainda é insuficiente para competir com os outros países. E que muitos doutores ficam sem emprego com o fim da pós-graduação.

O que será que houve para os cientistas da ficção científica terem tanto tempo para pesquisar e inventar novos equipamentos, descobrir a cura de doenças e de criar núcleos de dobra? Porque provavelmente houve um estímulo para isso no passado. É, aguardar para ver.

Deixe seu comentário. Como você vê a ciência brasileira? Ela tem futuro?

Até mais!

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