Ficção e ciência

Quando eu comecei a assistir Jornada nas Estrelas, vou ser franca, eu achava um saco! Por que isso? Por causa do visual dos anos 60. Eu venho da geração Nescau, anos e anos mais tarde das aventuras da Enterprise e não gostava dos parcos efeitos especiais da série, nem do cabelo de EMO do Capitão Kirk. Mas eu gostava dos filmes e gostava especialmente dos toques de ciência que a série dava. Depois, já grande, devo confessar... sou Treker!



Taí, ciência. Esse é um motivo pelo qual o gênero não vinga em terras brazucas. Essa palavra assusta porque não faz parte do cotidiano do brasileiro, nem do cara que lê no Brasil. "Me vê uma média, um pão na chapa e o Folha Ciência!" Ciência é coisa de nerd, de geek. Esse talvez seja um dos motivos para a ficção científica ficar no limbo editorial. Ou ela é classificada como sub-literatura para adolescentes ou é classificada como um gênero rebelde que fica fora das prateleiras das livrarias. Realmente lamentável, pois a ficção científica tem como tarefa dar passos a diante usando nossa realidade como alicerce. Ela está condicionada à invenção, à inovação, coisa que Jornada na Estrelas, lá trás fazia e chamavam de entretenimento.

E as revistas científicas? Quem lê? No ônibus eu sempre analiso o que as pessoas - que são poucas! - estão lendo. Tudo bem, é falta de respeito compartilhar revistas e jornais dos outros, no entanto, o que eu vejo é deprimente: jornais de esporte ou aqueles gratuitos como o Destak e o Metro, revista Nova (sexo e negócios para mulheres ricas e solteiras), revistas que falam de unhas e cabelos e uma vez ou outra a Veja. Ninguém conhece a Scientific American, a National Geographic, a Galileu ou a Super Interessante. E dificilmente as vejo circulando por ônibus. Triste...

Escrever é fazer um retrato de uma época. E a ficção científica faz retratos de períodos que muitos de nós não veremos. O exercício da imaginação corre solto neste gênero e por estar condicionado à ciência, está conectado com um universo do possível, por mais que hoje parece uma fantasia grandiosa demais visitar outros planetas. Com as devidas excusas, existem excelentes obras à disposição do leitor que é fiel.

Fiquei bastante surpresa e feliz de encontrar os redutos da galera que curte o gênero. O site que mais gostei foi o Scriptonauta, infelizmente fora do ar hoje em dia, onde é possível ler contos e obras condicionados ou não os títulos clássicos do gênero. Autores nacionais falando a linguagem da ciência de maneira bem acessível.

Porém, muitos questionam quais são as mensagens que esse tipo de obra passa aos leitores. Concordo que nos filmes e séries, a tecnologia e os alienígenas acabam roubando a cena e acabam relegando os enredos para segundo plano. Se formos tomar como exemplo Jornada nas Estrelas, eles têm um princípio interessante de cooperação, justiça, trabalho em equipe, aliados ao uso da tecnologia que tanto é benéfica quanto desastrosa. A destruição de Vulcano no novo filme foi chocante... Enche um pouco o saco de tão certinha algumas vezes!

Guerra nas Estrelas, por sua vez, nunca me encantou como o fez com milhões pelo mundo. Não é pelos efeitos ou pela ciência, que é obscura e vaga, diferente de Jornada que explica como muitas das maravilhas acontecem. O bem e o mal de Guerra nas Estrelas, o império sem sentido que aniquila tudo por aí com os poderes do Darth Vader. É uma franquia muito bem sucedida apoiada no totalitarismo, na ditadura e no esmagamento da minoria, uma característica nos tempos da Guerra Fria, que hoje precisa ser reciclada. As mensagens que as obras de ficção passam são muito poderosas, porque passam despercebidas do público que está interessado nos sabres de luz.

O clássico 1984, com seu Grande Irmão (Big Brother), que a todos controla, Neuromancer, onde a tecnologia foi incorporada à biologia e a inteligência deixou de ser orgânica para ser artificial, estão muito mais próximos da nossa realidade do que Guerra nas Estrelas, por exemplo. Justamente pelos assuntos que tratam.

O físico e escritor David Brin fez comentários ácidos e bastante pertinentes quando o assunto é a mensagem que as obras de FC passam aos seus leitores. Num artigo originalmente escrito para o caderno Mais! da Folha de São Paulo, ele alerta para o tipo de entretenimento que George Lucas anda pondo nas telas. Vale a pena dar uma conferida no artigo.

Não sou pessimista com relação ao futuro da FC no Brasil. No entanto, acho que vai demorar para o estilo seja respeitado assim como as obras de Dan Brown e Paulo Coelho são.

Até mais!

Comentários

  1. O comecinho desse post foi no melhor estilo "caiu a ficha" - realmente o baixo consumo popular (na falta de um termo melhor) de ficção científica aqui na terra brasilis realmente está calcada na nossa falta de interesse em ciência e cultura.

    Lembro-me que sempre disse que se um dia eu poder investir dinheiro em algo, que eu gostaria de montar uma escola para formar engenheiros e cientistas. Aqui querer usar o cérebro é algo para verdadeiros apaixonados, pois há poucos incentivos (fapesp e bolsas universitárias) e um pesquisador com pós-doutorado consegue ganhar menos que algumas secretárias de empresa.

    Sempre fui fascinado por ficção científica, principalmente daquelas que nos jogam anos para frente, mas com os dois pés no chão e com os olhos nas estrelas.

    É ruim não ter apoio para publicação desse conteúdo por aqui, mas como você mesma já apontou, estamos em uma época única em que não precisamos mais de intermediários para chegar no nosso público leitor.

    Enquanto tiver inspiração, sempre teremos alguém que vai nos ler. É só descobrir como monetizar isso. É um longo caminho, mas nada como um passo de cada vez.

    Um super abraço,

    tio .faso

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